Esta é para refletir! Dando continuidade ao tema da publicação passada...
Como professora da rede pública de Educação do Rio de Janeiro,
falar de
gênero na escola é algo bastante desafiador e polêmico, mediante a
nossa sociedade, ainda, conservadora. Porém é necessário, tendo em vista que, não falar deste assunto é falhar,
literalmente, em termos do valor formativo e social da própria instituição,
quanto ao processo de formação do aluno para a cidadania responsável e para sua
vida em sociedade.
O que significa não deixar de lado o desenvolvimento de um
trabalho comprometido com valores humanos, sociais e éticos que priorizem
o respeito à
diversidade, à igualdade de gênero e outros liames de
fundamental importância em todos os seus segmentos. Afinal, estamos falando em direitos
humanos e em direitos de cidadania.
Se esta brecha continuar a incorrer no sistema, além de não melhorar, em nada, a situação tenderá a piorar, afetando direta e/ou indiretamente muitos membros da Comunidade
Escolar, os quais, em geral, se encontram – seja por rejeição no âmbito
familiar seja meramente por medo ou por vergonha – sujeitos a sofrerem mais e se sentirem inseguros e desamparados no âmbito da sociedade.
A princípio, a escola se traduz em um espaço plural e, ao mesmo tempo,
democrático.
Pelo menos, assim deveria ser! No entanto, é no ambiente escolar (e, também, no
do trabalho) que mais se tem relatos de brincadeiras de mau gosto e da prática de Bullying, principalmente, no
que diz respeito à identidade de determinado gênero ou à sua “orientação
sexual”.
Entre as crianças e os adolescentes, tais comportamentos são
interpretados, realmente, como brincadeiras de mau gosto e Bullying, mas - entre adultos – a sua
conotação é outra e implica em CRIME! Homofobia...
A homofobia é tratada como crime no Brasil, desde 2019,
no âmbito da Lei
de Racismo (N° 7.716/89), a qual prevê, atualmente, crimes de discriminação
ou preconceito
por raça, cor, etnia, religião e procedência nacional (redação
atualizada pela Lei n° 9.459/1997), contemplando, com isso, a comunidade LGBTQIA+.
Se esta situação já é triste e lamentável para o jovem LGBT+,
pior fica, se sua família
não é capaz de oferecer suporte
moral e emocional ao filho ou filha. A sociedade, muitas das vezes,
se mostra cruel em atitudes homofóbicas e, por isso, precisamos
reverter esta situação, contrapondo veemente o preconceito e a discriminação.
E, igualmente, promover ações positivas de
conscientização, por meio de informações e debates, que contemplem o reconhecimento da identidade e o respeito ao outro.
O filho, o aluno, o amigo, o parente ou vizinho,
sendo heterossexual
ou não, sempre serão o filho, o aluno, o amigo, o parente ou
vizinho. E estes, com certeza, só almejam respeito, liberdade e viver com
dignidade. Esperam ter o apoio de todos, anseiam e sofrem por isso, uma vez que
– de uma maneira geral – não é isso que se vê.
“Os
estudantes LGBT precisam ser tratados
como
são os estudantes heterossexuais.
Não
queremos ser tratados de maneira privilegiada,
nem
queremos ser melhor que os outros.
Queremos
direitos como qualquer outro cidadão.
É
preciso fazer isso logo, o mundo
não
percebe, mas somos tão humanos quanto
os
outros, porém estamos morrendo.
O
preconceito está nos matando.
A
cada vez que você ofende uma pessoa LGBT,
o
seu senso de valor é destruído.
Lembre-se
mais uma vez,
somos
tão humanos quanto os outros,
mas
estamos morrendo.
E
ninguém tem notado essa injustiça. ”
(Resposta de um estudante gay,
17 anos, a um questionário,
estado de São Paulo).
De acordo com a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil
de 2016, entre as principais causas para o Bullying nas escolas, a LGBTfobia aparecia na terceira posição.
Neste estudo ficou evidenciado que 73% das e dos estudantes LGBTQIA+
expuseram que sofreram agressões verbais, enquanto que 36% foram
vítimas de
violência física.
Além do sofrimento e do isolamento "forçado", toda essa situação -
tão ocorrente no ambiente escolar – responde pela infrequência de muitos
discentes, levando – como foi constatado neste levantamento – a falta
das/dos alunos, pelo menos, uma vez ao mês, totalizando 58,9% das/os
alunas/ que sofrem constantes agressões verbais motivados pela intolerância sobre
a sexualidade. Assim como este, também, pode ser um dos motivos determinante da evasão escolar.
O que não mudou nos anos seguintes e, muito menos, hoje em dia...
O nosso país se mostra extremamente inseguro para esse
segmento da população, mais vulnerável à violência e ao homicídio.
Tanto é que o Brasil
lidera o ranking dos países que mais matam a população LGBTIs+.
Segundo o levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2021,
a cada 29
horas ocorria uma morte em nosso país. No ano foram registrados 316 homicídios.
Todavia, como o próprio Grupo adverte, o número real de vítimas fatais deve ter
sido maior.
O Nordeste e o Sudeste foram as regiões
brasileiras que concentraram
o maior número de casos, 35% e 33%, respectivamente.
|
Fonte: Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil Dossiê 2021 |
Em nosso país, a agressão física e psicológica contra LGBTI+
atinge todos os grupos
étnicos, independente de idade, classe social e profissão, de maneiras
diversas (ameaças, humilhações, agressões físicas ou psicológicas,
perseguições, entre outras) e até desigual. Em geral, os jovens, pobres e os
negros (preto ou pardo) são os que mais sofrem ataques homofóbicos.
Só para se ter uma ideia da gravidade da situação, no período
entre 2000 e
2021, cinco mil e trezentas e sessenta e duas (5.362) pessoas LGBTI+
morreram. Ao mesmo tempo, além do preconceito e da discriminação de
parte da população, esses números têm correlação com o nítido descaso das
autoridades responsáveis pela execução de políticas públicas capazes de subsidiar e
reprimir estes ataques homofóbicos.
Outro grande problema enfrentado por todos aqueles que lutam
contra a homofobia
e a transfobia
é a falta de
dados seguros acerca dos números sobre a violência e homicídios envolvendo
a população
LGBTI+.
De acordo com o professor Domingos Oliveira, responsável pela
coleta e sistematização dos dados de tal levantamento,
“O
descaso da polícia e desleixo dos jornalistas
em registrar com precisão as informações
básicas
indispensáveis
para identificação dos LGBT assassinados,
é
um aspecto da homotransfobia cultural
que
macula nossa sociedade,
além
de dificultar uma análise mais profunda e completa
dessas
mortes violentas”.
Em 2022, de acordo com levantamento realizado pelo mesmo Grupo
(GGB), o número de mortes violentas foram 256, sendo 242 homicídios e 14 suicídios
ao longo do ano. A grande maioria lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros. Contabilizando
a morte de
um LGBTI+ a cada 34 horas.
Entre essas vítimas, 134 (52%) eram gays e 110 (43%) travestis ou transexuais.
Mais da
metade dos crimes foram cometidos por armas de fogo ou por armas brancas.
Também houve mortes por asfixia, espancamento, apedrejamento, esquartejamento
e atropelamento
intencional.
Para o antropólogo, historiador e pesquisador, Luiz Roberto de
Barros Mott (ou simplesmente Luiz Mott), fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), que faz
monitoramento da comunidade LGBT há 43 anos, no país,
“É absolutamente
inconcebível nossa sociedade civilizada
conviver com 12 casos de
apedrejamento e
esquartejamento de gays e
travestis.
Nem nos países islâmicos e
africanos
mais homofóbicos do mundo,
onde persiste a pena de
morte contra tal segmento,
ocorre tanta barbárie”.
Já o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil
aponta que os números de mortes LGBT são mais numerosos, contabilizando 228 assassinatos,
30 suicídios
e 15 por outras
causas, o que somam 273 mortes LGBT de forma violenta no país.
|
Imagem capturada na Internet |
Estes dados divergentes refletem falhas e
limitações nas coberturas estatísticas dos casos de
violências e de homicídios sobre a comunidade LGBT, tanto nas mídias
(notícias de jornais, portais eletrônicos e redes sociais) quanto a nível de dados das
autoridades governamentais.
Controvérsias à parte pode-se dizer que os números não mentem
acerca dos elevados índices de violência e homicídios sobre a Comunidade LGBTI+.
É inquestionável, infelizmente!
Um levantamento mais recente, entre maio e junho
de 2023, acerca da homossexualidade, realizado on line, pelo Instituto Locomotiva para a IO Diversidade,
revelou dados surpreendentes. O levantamento contou com a participação de 1.574 pessoas
de todo o território nacional e por meio deste, constatou-se que:
- Dois a cada dez brasileiros acreditam que a homossexualidade
é uma doença;
- Entre estes, que acreditam que a homossexualidade é uma
doença, 4 em
10 indivíduos creem que há cura;
- 45% dos entrevistados não sabem o que é uma pessoa
transgêneros;
- 40% afirmam que não aceitariam filho que mudasse
de gênero, que se identificasse trans ou não-binária.
Por outro lado, a pesquisa também mostrou certo conhecimento
da realidade brasileira, pois:
- 7 em cada 10 entrevistados consideram ser mais difícil
a inserção de pessoas
LGBTQIA+ no mercado de trabalho;
- 90% deles afirmaram que as pessoas das comunidades
LGBTQIA+ sofrem violência e preconceito no Brasil.
Diante desse quadro, pode-se afirmar que a comunidade LGBTI+ - além de ser a maior vítima de violência
e preconceito em nosso país, direta e/ou indiretamente, sofre um processo de
exclusão social.
A falta de políticas públicas, capazes de assegurar
os seus direitos básicos está longe de ser atendida, plenamente, em todos os seus
segmentos, quer seja na educação e no trabalho, quer seja na segurança
pública e em outras áreas de sua alçada.
Das 27 Unidades Federativas da União (26 estados e
1 Distrito Federal), apenas oito possuem Planos ou Programas estruturados
voltados
para a comunidade
LGBTI+, ou seja, 19 delas não têm.
Esses dados constam do levantamento do Programa Atenas, que abrange diversas
entidades, divulgado e lançado no início de março deste ano, o qual inspeciona as
políticas públicas que abarcam essa parcela da população.
No entanto, destes oito, só três estados funcionam a nível satisfatório,
considerando uma escala de 1 a 5: Rio de Janeiro (4,4), Mato Grosso do Sul (3,9) e Espírito
Santo (3,9). O Distrito Federal, também, se destaca entre as melhores
notas (3,7).
Acerca dos Planos ou Programas estruturados voltados para
a comunidade LGBTI+ e considerando
esta escala de avaliação, vejamos o ranking geral das 27 Unidades Federativas da
União:
1° Rio de Janeiro (4,4);
2° Mato Grosso do Sul (3,9);
3° Espírito Santo (3,9);
4° Distrito Federal (3,7);
5° Ceará (3,6);
6° São Paulo (3,5);
7° Maranhão (3,4);
8° Piauí (3,2);
9° Pará (3,0);
10° Pernambuco (2,9);
11° Goiás (2,9);
12° Mato Grosso (2,8);
13° Sergipe (2,7);
14° Paraíba (2,7);
15° Minas Gerais (2,6);
16° Rio Grande do Norte (2,6);
17° Bahia (2,6);
18° Paraná (2,5);
19° Amapá (2,4);
20° Rio Grande do Sul (2,3);
21° Santa Catarina (2,2);
22° Amazonas (2,2);
23° Alagoas (2,1);
24° Acre (2,1);
25° Tocantins (2,0);
26° Roraima (1,6);
27° Rondônia (1,6).
Segundo Rachel Rua, Diretora Executiva da IO Diversidade,
o preconceito
também perpassa pelo desconhecimento das pessoas, quer seja por ignorância
sobre o tema em si quer seja por resistência em conhecer o outro.
Daí a importância de falarmos de gêneros nas escolas.
Devemos dar maior
visibilidade desses grupos, respeitando a identidade e orientação
sexual de cada um. Desmitificando que esta não condiz com um “desvio
do normal” e, tal como as relações heterossexuais, esta também corresponde ao padrão
natural na sociedade. E, por isso, exige – com certa urgência - mudanças de
paradigmas e de comportamento.
A Comunidade LGBTI+ pede socorro! O mundo pede socorro!
“É
preciso fazer isso logo,
o
mundo não percebe,
mas
somos tão humanos quanto
os
outros, porém estamos morrendo.”
(Resposta
de um estudante gay, 17 anos, a um questionário de pesquisa)
Fontes de Consulta
. DOBBIN, Gilson: Brasil é o país que mais mata população
LGBTQIA+; CLP aprova Seminário sobre o tema (2022) – Comissão de Legislação Participativa (CLP)
. Dossiê denuncia 273 mortes e violências de pessoas LGBT em
2022 – Observatório de Mortes e Violência LGBTI+ no Brasil
. GARCIA, Amanda: 20% dos brasileiros ainda acreditam que
homossexualidade é doença, diz pesquisa (2023) – CNNBrasil
. MÁXIMO, Wellton: Pesquisa revela apagão de políticas
públicas LGBTI+ em estados (2023) – Agência Brasil
. Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil: Dossiê 2021
(2022) - Acontece Arte e Política LGBTI+(em Pdf)
. Mortes violentas de LGBT+ cresceram em 2021 e atingiram pelo
menos 300 pessoas – Rede BrasilAtual/RBA
. Só 3 Estados têm Políticas Satisfatórias para Comunidade LGBTQIA+,
diz Pesquisa (2023) – Congresso em Foco
. Um LGBTI+ é assassinado a cada 34 horas no país, aponta
relatório (2023) - CUT