Vou iniciar este artigo com a definição de Mobilidade
Urbana, tendo em vista que este é o tópico a ser abordado. E, dentre as
diversas definições pesquisadas, a mais sucinta e completa que encontrei,
foi:
“Mobilidade
urbana é definida como a facilidade de deslocamento das pessoas e bens na
cidade, com o objetivo de desenvolver atividades econômicas e sociais no
perímetro urbano de cidades, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas.
Tais deslocamentos são realizados através de veículos motorizados e não
motorizados, além de toda a infraestrutura, dentre as quais vias e calçadas,
que possibilita o ir e vir cotidiano. ” (Extraída no Wikipédia).
Principalmente, porque esta não faz referência apenas ao deslocamento
humano e/ou de mercadorias, ela inclui a infraestrutura, destacando as malhas viárias
e as calçadas, que muitos esquecem de atribuir a importância devida.
Ainda mais para aqueles que caminham a pé ou se
deslocam até ao Ponto do transporte coletivo e, também,
para os deficientes,
sobretudo, os de natureza física e visual.
ARAÚJO et al (2012) afirma
que a função social do trânsito permeia,
essencialmente, atender e satisfazer as intenções do cidadão primando à acessibilidade, à
mobilidade e à qualidade de vida.
Consequentemente, problemas tanto na sua infraestrutura quanto na qualidade do
meio de transporte irão interferir direta e/ou indiretamente na mobilidade e na capacidade de deslocamento.
Minha mãe (já falecida) não
teve este tripé (acessibilidade,
mobilidade e qualidade de vida). Ela era cadeirante e o seu deslocamento de
casa para a clínica de fisioterapia, localizada próximo a sua residência, era
algo aterrorizante, tanto para ela quanto para nós, que a levávamos.
Devido ao péssimo estado das calçadas éramos obrigados a
conduzi-la pelas ruas, ao lado dos carros em movimentos. Era uma loucura! E o
medo de sofrer ou provocar um acidente era uma constante!
Minha mãe
Imagens do meu acervo particular
Eu sempre dependi de transporte público para
me deslocar de um ponto a outro, seja entre os limites do meu município (Rio de
Janeiro), seja em termos intermunicipal (como, Rio de Janeiro-Niterói e Rio de
Janeiro-Duque de Caxias) ou interestadual (exemplos, Rio de Janeiro-São Paulo e
Rio de Janeiro-Florianópolis).
Por vezes, sinto-me insegura ao subir em ônibus, pois além dos
degraus de muitas linhas serem altos, muitos motoristas não têm paciência para
esperar o passageiro subir direito, partindo com o veículo, com a porta aberta
ou com a gente, ainda, nos degraus. Essa insegurança me causa medo em cair
do veículo e, com toda a razão.
Em razão da minha experiência e do meu cotidiano, em relação
aos nossos meios de transportes, posso afirmar que os problemas referentes
a mobilidade urbana são antigos, iniciados a partir do meu Ensino
Médio, quando passei a estudar em outro bairro ao da minha residência. E, mais
ainda, durante a minha graduação, quando já trabalhava como professora (antigo
Primário) e, por isso, tive a necessidade de usar mais de um modal de
transporte em meus deslocamentos diários.
Nesta época, pela manhã, eu cursava a Faculdade de Geografia na Universidade Federal Fluminense (UFF),
em Niterói; lecionava em Duque de Caxias à tarde e, à noite, fazia
estágio na Faculdade de Geologia, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
no Maracanã. Vida louca!
Com algumas diferenças diante dos meus horários tanto no Curso
de Graduação (UFF) quanto no dos Projetos (UERJ), a minha rotina diária se
resumia no uso dos seguintes modais de
transportes: ônibus (3
vezes), barca (só uma vez para ir à
UFF, pela manhã), trem (só uma vez
para ir à UERJ, no final da tarde).
É claro que este é só um recorte de tudo o que eu vivenciei,
pois a minha rotina diária pouco mudou, depois. Continuei a pegar mais de um
meio de transporte por dia, as distâncias eram longas e, também, o tempo que eu
levava no deslocamento.
Com tudo isso, eu pude experimentar e sofrer direta e/ou
indiretamente os efeitos dos problemas de
mobilidade urbana no que
tange aos meios de transportes públicos. Na
verdade, estes não são recentes, são de longa data e posso afirmar que pioraram
muito...
Essa discussão é muito pertinente, tendo em vista a grande importância das redes de transportes.
Inclusive sua infraestrutura e qualidade são
utilizadas, muitas vezes, como indicadores
do grau de desenvolvimento dos países.
Além de proporcionar a mobilidade das pessoas em
seus deslocamentos diários, os meios de transportes são responsáveis por:
- Estruturar e promover a ocupação do espaço geográfico;
- Aproximar as localidades em termos de distância e tempo;
- Promover e otimizar as atividades econômicas e sociais,
permitindo a implantação e distribuição das indústrias, a expansão dos mercados
(intensificação das trocas comerciais) e o escoamento da produção (industrial e
agrícola);
- Gerar e expandir o setor de serviços e o comércio à
população;
- Criar e ampliar as ofertas de emprego;
- Facilitar a Divisão Territorial ou Internacional do
Trabalho (DIT);
- Quebrar o isolamento de regiões desfavorecidas.
Como muitos têm conhecimento, o principal modal de transporte em nosso país é o rodoviário, ou seja, sobre rodas
(automóveis,
ônibus e caminhões), sendo este último para transporte de cargas em todo território
nacional.
Essa preferência em detrimento a outros modais, como o ferroviário e
o marítimo,
por exemplo, remonta desde a década 50 (Século XX), quando do início do processo industrial
do Brasil, durante o governo de Juscelino Kubitschek (1955 a início de 1961), o qual foi marcado pela vinda de multinacionais deste ramo industrial (automobilística), assim como a abertura e pavimentação de rodovias.
Essa nossa dependência quanto ao modal rodoviário tem
vantagens, mas as desvantagens superam os benefícios que ele oferece. Entre as
suas desvantagens pode-se mencionar:
- É o segundo mais caro modal de transporte (o primeiro é o
aéreo);
- O elevado consumo de combustível fóssil (poluente) e o alto preço
deste;
- Elevados índices de roubo de cargas e de acidentes;
- As altas despesas de manutenção dos veículos;
- Os congestionamento diários, sobretudo, nas áreas urbanas,
na hora do rush;
- Os impactos ambientais quanto à poluição atmosférica e
sonora;
- O desgaste físico e psicológico do motorista;
- As condições regulares a precárias de conservação das malhas
viárias (federal, estadual e municipal), que além de danificar partes dos
veículos, aumenta o consumo do combustível, entre outras desvantagens.
Devo ressaltar que outros fatores, intrínsecos a estes,
agravaram e agravam a qualidade dos
serviços e a mobilidade urbana em nossa cidade (Rio de Janeiro),
sobretudo, quanto aos ônibus:
- A superlotação dos
transportes coletivos;
- A redução de
algumas linhas municipais;
- Intensos engarrafamentos,
em geral, na hora do rush ou motivado
pelos altos índices de acidentes de
trânsito;
- Péssimas condições dos ônibus (veículos
velhos, sem ar condicionado);
- As irregularidades
nos horários e nos intervalos entre as viagens das linhas de
ônibus (municipais e intermunicipais);
- O desrespeito de
alguns motoristas que não param nos Pontos de embarque e desembarque dos
passageiros, entre outros estorvos.
Não restam dúvidas que tudo isso eleva a média de tempo das
viagens na cidade.
Não esquecendo, sob este mesmo contexto, os constantes atrasos diários e, também, as interrupções dos serviços da rede ferroviária (Supervia) - na
região metropolitana do Rio - em consequência dos sucessivos furtos de
cabos dos trens.
E, ainda, o BRT, que
além da superlotação, inclui
a falta de veículos, a má conservação dos existentes, os acidentes constantes (geralmente por
culpa de motoristas particulares e impudentes), o vandalismo nas estações e a falta de segurança tanto nas mesmas
quanto no interior dos ônibus.
Um fato é notório, pouco
de se fez em termos de melhoria
expressiva em suas respectivas infraestruturas, principalmente,
em relação à malha viária rodoviária e
férrea, capaz de atenuar ou solucionar os problemas já existentes. O
que mostra a falta de um planejamento
urbano adequado para o espaço de circulação.
Basta lembrar o caso da implantação
do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que interliga o Centro à Região Portuária do Rio de Janeiro.
Desde quando o conheci, em exposição (apenas um vagão), na
Cinelândia, eu imaginei que ele não seria o
mais adequado para circular na região administrativa
e comercial da nossa cidade (Centro).
Poderia e posso ainda estar equivocada, porém o
considero mais apropriado para
uma região exclusivamente de função
histórica (turística).
Embora, o Centro da Cidade possua, em seus limites, um
grande circuito histórico, forte e representativo, pois fomos a segunda capital do Brasil (1763
a 1960), a abrangência de suas atuais
funções - administrativa e comercial - exigem
uma melhor fluidez do trânsito.
O que não compete a este tipo de transporte (VLT).
Pois bem, os efeitos impactantes e negativos deste meio de
transporte e de sua malha viária (restritiva muitas das vezes) vieram à tona e,
hoje, estão à vista, para que qualquer um observe e tire as suas próprias
conclusões.
A interdição da circulação de carros e de linhas de ônibus, em
algumas ruas, reduziu consideravelmente
o movimento das pessoas e,
com isso, o comércio local foi duramente afetado.
Sem os antigos fluxos de clientes e
com as vendas fracas, a grande
maioria dos comerciantes foi à falência.
Resultado, em meio
a passagem do VLT na rua, quarteirões e
quarteirões vazios e com várias lojas
fechadas. Só a conservação das fachadas das mesmas traz à memória a
antiga expansão e importância econômica do comércio local.
As fotos, abaixo, são do meu acervo particular e datam de 2018.
Outro fato a ser destacado e que já foi bastante abordado em diversas
reportagens televisivas, nos últimos anos, diz respeito à redução do número de linhas de ônibus na cidade
do Rio de Janeiro, assim como as que deixaram de circular. Tanto a redução da frota
quanto o sumiço de algumas linhas comprometem diretamente a oferta de ônibus e os
serviços prestados à população. Com isso, a superlotação
dos veículos se torna algo inevitável.
De acordo com a Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN), publicados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de veículos no Brasil (abrangendo todas as categorias), em 2022, era na ordem de 115.116.532 autos, sendo 7.475.503 no estado
do Rio de Janeiro.
Em comparação ao ano anterior (2021), observou-se que para 2022
houve um aumento de 3.669.662 veículos no país, enquanto que no Rio de Janeiro, este foi de 179.148 veículos. Sendo assim, em termos
percentuais, o aumento no número de veículos
foram, respectivamente, de cerca de 2%
e 1,1%.
Embora tenha apresentado um aumento
(1,1%), a situação mais preocupante no
quadro do estado do Rio de Janeiro, neste
período de análises (2021 e 2022), diz
respeito às frotas de ônibus.
Segundo o mesmo levantamento,
enquanto o número deste tipo de transporte coletivo apresentou um aumento em torno de 2,2% (15.950 ônibus) no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, este só expandiu cerca de 0,35% (155 ônibus). O que vem
corroborar o pouco investimento neste setor...
Consequentemente, quem mais sofre, com tudo isso, quer seja com
os péssimos serviços prestados por
este setor da economia (Setor Terciário),
com os meios de transportes precários e suas respectivas infraestruturas incipientes é a grande massa da população, que precisa se
locomover para trabalhar, estudar ou ter acesso a qualquer espaço pretendido.
Além de todos estes problemas, a população de baixa renda ainda
tem que driblar a situação financeira em razão do preço alto da passagem (ônibus, trem,
metrô, barcas etc.). Muitos nem conseguem, sendo impedidos de ter o seu deslocamento
assegurado e, com isso, perdendo várias oportunidades (emprego,
estudos etc.).
“A privação do acesso aos serviços de transporte coletivo e as
inadequadas condições de mobilidade urbana dos mais pobres reforçam o fenômeno
da desigualdade de oportunidades e da segregação espacial, que excluem
socialmente as pessoas que moram longe dos centros das cidades. Os principais
impactos desta situação são sentidos sobre as atividades sociais básicas:
trabalho, educação e lazer” (IPEA, 2006).
Ao sermos submetidos a um trânsito caótico, congestionado e às péssimas condições
dos transportes (superlotação, atrasos constantes, suspensão do
serviço, insegurança, poluição sonora e atmosférica, horários irregulares etc.)
perdemos muito em termos de
produtividade e, sobretudo, de saúde.
Muitas das vezes, não honrando os nossos compromissos profissionais, sociais e
de outra natureza.
No final
de janeiro deste ano foi divulgado o Relatório
Global sobre o Transporte Público, cujo levantamento e análises
foram realizados acerca do sistema de transporte
público de várias cidades do mundo e, particularmente, das principais capitais brasileiras.
Embora, o respectivo Relatório
apresente dados de diferentes modais de
transporte público, como metrô, trem,
VLTs, barcas e outros, eu tomei por base apenas o ônibus.
Entre outros
aspectos pertinentes aos usuários de ônibus, como principal meio de
transporte coletivo, foram analisados o tempo
médio de viagem, o tempo médio de
espera do ônibus no ponto, baldeações, a relação
trajeto longo x o tempo de viagem.
Como já era esperado, a nossa cidade
aparece em situação nada favorável em
termos de fluidez e qualidade de vida.
De acordo com o referido levantamento acerca das principais capitais
brasileiras, pode-se destacar quanto ao município do Rio:
- É a capital que apresenta o maior tempo de deslocamento no transporte público.
O tempo médio gasto por viagem pelos passageiros de ônibus gira em torno de 67 minutos. O que a coloca como a quarta pior cidade do mundo em tempo médio gasto no
transporte público, ficando atrás somente de Istambul (Turquia/77 minutos), Cidade
do México (México/73 minutos)
e Bogotá (Colômbia/71 minutos).
No caso de haver um deslocamento por dia (durante os cinco dias semanais), o morador da cidade do Rio de Janeiro terá
gasto mais
de dez dias se locomovendo, ao final de um ano.
- Quanto ao tempo de viagem e, levando em consideração os
critérios para viagem
curta (até 30 minutos), viagem de média duração (entre 1 e 2 horas) e viagem longa
(2 horas ou mais), o maior percentual de pessoas (32,72%) gasta de
1 a 2 horas por trajeto de viagem, isto é, percorrem viagens de média duração.
Em termos de viagens curtas e longas, as porcentagens obtidas
foram, respectivamente, 19,12% e 11,73% das pessoas entrevistadas.
Para esta análise, além do tempo de deslocamento, o Relatório
considerou também o tempo de caminhada e da espera no ponto do ônibus.
- O tempo de espera do ônibus, no município do
Rio, é – em média – de 21 minutos. E, em relação a este tempo de
espera, 40,73%
dos entrevistados classificaram a experiência ruim, pois esperam de
20 minutos a
mais pela condução.
Cerca de 12% alegaram que o tempo de espera era pouco, variando
até 5
minutos.
- Em termos de baldeação, que implica em uso de mais um transporte
e maior gasto de tempo, aproximadamente, 35% das pessoas fazem viagens diretas, isto é, não precisam
trocar de transporte para chegar ao seu destino final. Quase 50%
dos entrevistados (47,52%) fazem duas baldeações por viagem, enquanto cerca de 13%
fazem de três
ou mais por viagem.
O Relatório completo, inclusive, para fazer comparações com cidades
de outros países e até brasileiras, está disponível no site do Moovit (clique AQUI).
Infelizmente, a cidade do Rio de Janeiro, em especial, não oferece bons
serviços à população no que tange aos modais de transportes coletivos públicos e
toda sua infraestrutura de funcionamento. Em virtude disso, as condições de mobilidade urbana se
mantêm muito
aquém do padrão desejado e adequado.
Não há uma política pública eficaz e de amplo incentivo ao uso dos transportes coletivos público, capaz de reduzir os veículos de uso individual e motorizado.
Na verdade, isso não é um “privilégio” da nossa cidade. Com
algumas diferenças esse padrão segue em todos os principais centros urbanos do Brasil.
“Não há
sinalização de que as políticas públicas adotadas no país venham alterar esse
quadro no futuro, pois os incentivos à produção, venda e utilização intensa de
veículos privados prevalecem sobre as medidas de estímulo ao uso do transporte público e do transporte não motorizado” (IPEA, 2016).
Enquanto o sistema de transportes públicos e de mobilidade
urbana dos grandes centros urbanos não forem reformulados e otimizados, o caos
no trânsito e na vida diária do cidadão irão perdurar.
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Imagem capturada na Internet Fonte: SustentArqui (extraído do Site Virada da Mobilidade) |
Fontes de Consulta
. ARAÚJO et al (2012): Transporte público coletivo: discutindo
acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida – Scielo
. CARVALHO, Carlos Henrique Ribeiro de: Mobilidade Urbana
Sustentável: Conceitos, Tendências e Reflexões (2016) – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/IPEA
. Cidades: Frota de Veículos (2022) - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística / IBGE
. COSTA, Renato Gama-Rosa, SILVA, Claudia G. Thaumaturgo da e
COHEN, Simone Cynamon: A origem do caos – a crise de mobilidade no Rio de
Janeiro e a ameaça à saúde urbana (2013) - Scielo
. Estatísticas do transporte público por País e Cidade (2022)
- Moovit
. GOMIDE, Alexandre de Ávila: Mobilidade Urbana, Iniquidade e
Políticas Sociais (2016) - Instituto dePesquisa Econômica Aplicada/IPEA
. Mobilidade Urbana – Wikipédia
. VIEIRA, Maria Júlia e BUONO, Renata (2023): A Vida que se
perde no Transporte Público – Revista Piauí