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Fonte: Pixabay
“Mesmo
com o fim da escravidão,
não houve a inserção do negro na sociedade.
Foi
mantida a lógica de exclusão,
sendo os negros responsáveis por
posições subalternas,
mal remuneradas, no setor de subsistência,
nas quais
prevalecem ausência de proteção previdenciária
e
desrespeito aos direitos trabalhistas.”
André Cardoso
Hoje, comemoramos o Dia da Abolição da Escravatura no Brasil e, infelizmente, não podemos
comemorar efetivamente – diante das heranças culturais da época da escravidão que
permeiam o pensamento e a atitude de muitos, interferindo direta e/ou
indiretamente na vida da maior parte da população afro-brasileira e, como consequência
disso, alimentando e perpetuando o racismo, a discriminação e as desigualdades em nossa sociedade.
Embora, o Brasil se autodenomine um país de
democracia racial, o racismo continua presente em nossa sociedade,
tanto de forma explícita quanto de forma velada, camuflada, que é a pior de todas.
Como é de conhecimento de muitos, o Brasil foi o
último a abolir a escravidão no continente americano e que essa conquista à
liberdade correspondeu a um longo processo, que envolveu não só a Princesa
Isabel, que assinou a Lei Áurea, envolvendo também “lideranças negras” e outros
homens, os chamados abolicionistas.
Princesa Isabel
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Embora, a liberdade tenha sido assegurada com a assinatura
da Lei Áurea, no dia 13 de maio de 1888, sua conquista não representou o fim
dos problemas para os ex-escravos e seus descendentes, pois estes foram
abandonados à própria sorte, sem nenhuma segurança ou respaldo legal de
integração à sociedade, sem acesso às terras e às novas relações de trabalho,
isto é, a do trabalho assalariado.
De acordo com os historiadores, liderada por um
grupo da elite branca, os negros foram tratados como sujeitos passivos durante
a campanha abolicionista, a fim de que os mesmos não pudessem conduzi-lo de
forma insurgente a ponto de colocar em risco tanto a sociedade civil quanto a
estrutura econômica vigente, na época.
A campanha abolicionista visava, exclusivamente, a
libertação da mão de obra escrava, tendo em vista que além da pressão da
Inglaterra para o fim da escravidão no Brasil, o grande contingente de escravos
e os custos de sua manutenção acabaram tornando-se um grande obstáculo ao
desenvolvimento econômico do Brasil, no final do século XIX. Daí o descaso das
autoridades e da própria Igreja com a situação dos negros e seus descendentes,
recém libertados.
Em nosso território, outros interesses estavam em
jogo, já algum tempo, sob o contexto do novo ciclo econômico do Brasil – o café
- e das novas relações de trabalho (parceria e assalariado). O trabalho
assalariado se caracterizava mais vantajoso, barato e eficiente, tendo em vista
que – desde o fim do tráfico de escravos (1950) – o preço dos escravos estava
muito alto, mais caro que o assalariado. Possuir escravos passou a ser
privilégio só dos mais ricos.
Com isso, com a abolição dos escravos não se
verificou uma reforma social efetiva, pois nenhuma medida complementar ou de
assistência a estes foi constituída, o que resultou na exclusão social e
econômica dos mesmos, cujos reflexos são sentidos até hoje (migração para as periferias,
surgimento de favelas ou comunidades, subempregos etc.).
Sob esta conjuntura de homens “livres”, muitos
ex-escravos optaram por permanecerem nas fazendas em troca de alimentação e de
um canto para dormir, enquanto outros se lançaram à suposta liberdade em busca
de seu progresso social e econômico. Contudo, sem sucesso devido à própria
imagem negativa dos mesmos, construída ao longo processo da escravidão no país.
Alguns migraram ou se mantiveram nas cidades,
exercendo atividades com vendas de produtos (vendedores ambulantes) ou outras
de posições subalternas, mal remuneradas.
Como podemos perceber, o fato da Abolição da
Escravatura não ter sido seguida por uma reforma social ampla e efetiva, não
houve um processo de inclusão social e econômica dos ex-escravos (africanos) e
seus descendentes.
Essa situação engendrou um processo de grande
dimensão histórica que responde pela situação atual da grande maioria da
população afro-brasileira, tanto em termos sociais quanto em termos econômicos.
Além do próprio racismo e da discriminação contra os mesmos em nossa sociedade.
“O racismo é um dos principais fatores
estruturantes
das injustiças sociais que acometem a sociedade brasileira
e,
consequentemente,
é a chave para entender as desigualdades
sociais
que ainda envergonham o país.”
Alexandre Ciconello
Quanto a isso não há dúvidas! E o racismo
camuflado é o pior, pois embora “invisível”, ele se torna visível, entre outros
aspectos, através do papel social do próprio negro, tendo em vista que tanto as
oportunidades quanto as possibilidades de sua ascensão social e econômica são
desiguais em relação ao branco. Sendo estas ocorrentes em todas as esferas de
abrangência da sociedade, na área da Saúde, Educação, sistema de habitação,
acesso aos serviços, oportunidades de emprego etc.
Daí
as vagas em empregos subalternos, de baixa remuneração salarial sejam ocupadas
– majoritariamente – pela população negra (ou afro-brasileira) e outros
aspectos visíveis onde se vê a predominância de negros em determinados espaços
e, em outros, só brancos.
A igualdade, em nosso país, só vai
acontecer a partir da superação do racismo, compreendendo que todos –
independentemente da cor – devem ter os mesmos direitos. Relegar ou dificultar
aos negros as diferentes oportunidades e possibilidades de seu crescimento
social e econômico, significa muito mais que manter as desigualdades raciais,
implica também em desperdiçar talentos e de produtividade capital para o país.
E, para que mudanças ocorram - a nível de
minimizar ou acabar de vez com as desigualdades - tanto em termos de “reparação”
histórica quanto em termos de equidade social e econômica é preciso
que haja a participação direta e/ou indireta do Estado e da iniciativa privada
em programas voltados para essas questões, assim como o envolvimento da população civil em
termos de conscientização e adesão ao movimento contra a prática do racismo em
toda sua área de abrangência.
Percebe-se, inclusive, a nível de Estado que
várias políticas e leis foram implementadas com este objetivo, assim como o
movimento negro também tem se posicionado de forma mais efetiva, reivindicando
a igualdade racial e o fim do racismo.
Mas, mediante a situação que ainda
impera em nossa sociedade, tais medidas ainda não são suficientes. Há muito
ainda a se fazer, até porque o “invisível” não é visível para a maioria, sendo
somente para aqueles que sentem diretamente os seus efeitos imediatos (racismo
camuflado).
“Relações sociais construídas
ao longo de
mais de trezentos anos
não são alteradas de uma hora para outra.
Preconceitos profundamente arraigados
não são
derrubados só com doses de boa vontade.
(...) para ajudar nas transformações,
além de mudanças de comportamento e
sensibilidade,
são fundamentais as alterações na legislação
que ordena a sociedade e as relações entre os
homens.”
Marina de Mello e Sousa
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