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domingo, 25 de outubro de 2015

Crise Humanitária Internacional: O Drama dos Refugiados Sírios


Imagem capturada na Internet para fins ilustrativo
Fonte: BBC Brasil

Não resta dúvida que o drama dos refugiados sírios é um fato grave - de grande impacto internacional - que não deve ser ignorado nem por conta de sua origem e nem por seus efeitos sobre milhões de famílias, as quais continuam migrando para diversos países, de diferentes continentes, inclusive o Brasil, vítimas da guerra civil e, também, da violência e atrocidades praticadas pelo grupo terrorista Estado Islâmico” (EI) em seu país.

O Estado Islâmico foi criado, em 2013, de uma ramificação da organização terrorista al-Qaeda (fundada por Osama Bin Laden, morto em 2011), da qual desmembrou-se e passou a atuar de acordo com os seus próprios princípios. Ele é considerado o grupo terrorista mais radical e violento da atualidade (até mais que a própria Al-Qaeda). 

A Síria, nome oficial República Árabe da Síria, está localizada na Ásia, mais especificamente, no Oriente Médio.
 

 Imagem capturada na Internet e modificada

com marcação na Síria

Para entender a origem da guerra civil por qual o país enfrenta e que responde pela crise migratória devemos voltar ao tempo...  

Em março de 2011, a população síria, a exemplo de outros países do Norte da África e do Oriente Médio, iniciou um levante contra o governo ditatorial do seu presidente, Bashar Assad, movida pelo desencadeamento da Primavera Árabe (movimento de revoltas populares contra os governos ditatoriais, autoritários, iniciado na Tunísia, em 2011 e que se estendeu a outros países árabes).

O presidente Bashar al-Assad, que está no poder há 15 anos, desde julho de 2000, prometeu mudanças no país e, ainda, ressaltou que seria diferente do seu pai, Hafez Assad, que governou a Síria por 29 anos (1971-2000) sob um regime também autoritário. Mas, apesar dele ter-se mostrado mais aberto e a favor da democracia, este - com o passar do tempo - acabou se revelando mais um Chefe de Estado autoritário, submetendo a população civil à total falta de liberdade e outras políticas estratégicas, severas, de total controle sobre o país e o seu povo. 

  Presidente da Síria - Bashar al-Assad
Imagem capturada na Internet
Fonte: Wikipédia

Inicialmente, as manifestações populares na Síria ocorreram de forma pacífica, no entanto, com o aumento da repressão das tropas do governo, a violência aumentou igualmente dos ambos, os lados e, com isso, os manifestantes recorreram à luta armada, dando início, assim, à guerra civil no país, em 2012, quando a ONU reconheceu a gravidade do conflito interno como tal. 
 
Um dos pontos mais críticos da guerra civil foi o ataque com arma química letal, o sarin, por parte do governo de  Bashar al-Assad, no dia 21 de agosto de 2013, que resultou na morte de mais de 1.400 pessoas. O ataque químico foi confirmado depois da análise de amostras de sangue das vítimas e a constatação que 85% delas tiveram resultado positivo para o gás sarin.

 Corpos das vítimas pelo ataque químico na Síria.
Imagem capturada na Internet (Fonte: Último Segundo) 

Embora, as mídias destaquem a chegada de muitos refugiados no continente europeu, os países que mais receberam os fluxos migratórios de sírios foram, justamente, aqueles que estão mais próximos da Síria, ou seja, aqueles que fazem fronteira com o país, como a Turquia (ao norte), a Jordânia (ao sul), o Líbano (a oeste) e o Iraque (a leste).

De acordo com as informações publicadas no site BBC Brasil, entre estes, o que mais recebeu os refugiados sírios até 06 de setembro de 2015 foi a Turquia (1.938.999), seguido pelo Líbano (1.113.941), Jordânia (629.266) e Iraque (249.463), totalizando em 4.088.099 de registros de refugiados sírios.

Diferentemente das expectativas de obter refúgio em um país da União Europeia, muitos que se encontram nestes países asiáticos, fronteiriços, estão passando muitas dificuldades.

No Líbano, por exemplo, 70% das famílias de refugiados vivem abaixo da linha da pobreza (vivendo com menos de US$ 1 por dia). Na Jordânia, a situação não difere, pois dos 629.266 sírios que vivem no país – 520 mil deles fora dos campos de refugiados – 86% em áreas urbanas e rurais se encontram, também, vivendo abaixo da linha da pobreza.
 
Por isso, segundo o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), a maioria dos refugiados se encontra endividada, sendo obrigada a praticar a mendicância (pedir esmolas), a retirar os filhos das escolas e, até mesmo, reduzir o consumo de alimentos. Esta situação se agravou com o corte de financiamento dos programas de ajuda humanitária (corte de verbas).

Os países do Golfo (Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, Catar, Bahrein e Omã), por sua vez, preferiram doar dinheiro ao invés de abrir suas fronteiras e abrigar os refugiados sírios. Esses países, além de temerem pela segurança e estabilidade de seus territórios, não reconhecem a condição de refugiados, eles não assinaram a Convenção de Refugiados de 1951 ou Estatuto dos Refugiados, que foi elaborado durante a Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas, em Genebra (Suíça), em julho de 1951 e que entrou em vigor em 22 de abril de 1954. 
 
A referida Convenção consolida instrumentos legais, internacionais, de reconhecimento e proteção aos refugiados, instituindo os direitos dos mesmos a nível mundial, desde os padrões básicos para o tratamento dos mesmos a ser seguido pelos Estados (sem impor limites), assim como outros procedimentos que implicam na não discriminação por raça, religião, sexo e país de origem.

Entre suas cláusulas principais, tem-se a definição do termo “refugiado” e o chamado Princípio de “non-refoulement (“não-devolução”), que institui que nenhum país deve expulsar ou “devolver” um refugiado, contra a vontade do mesmo, em qualquer período, para um território onde ele sofra perseguição e, com isso, a sua vida e liberdade corram perigo. Além destes, a mesma determina que providências devem ser tomadas para a disponibilização de documentos aos refugiados, incluindo documentos de viagem específicos, na forma de passaporte. 
 
Para os fins da referida Convenção, o termo “refugiado” é aplicado à pessoa que:

temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha a sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. (Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, ACNUR, 2011: pag.11)

O destaque midiático sobre os refugiados sírios no continente europeu, inclusive correlacionando-os comocrise humanitária na Europa” justifica-se - entre outros - pelos seguintes aspectos:
 
- As duas rotas principais que os sírios utilizam para entrar no continente europeu são por terra ou por mar, melhor dizendo, muitos preferem cruzar a Turquia por terra até chegar à Grécia e depois prosseguir até ao seu destino final ou partir para a Líbia, no Norte da África e, de lá, atravessar o Mar Mediterrâneo para desembarcar na Itália.

 

- A rota principal deles, o Mar Mediterrâneo (porção oriental), são expressivas as incidências de embarcações precárias, superlotadas de famílias sírias, com muitas crianças e jovens, tendo diversos registros de naufrágios e vítimas fatais (mortes).

Muitas das imagens publicadas nas mídias são fortes e impactantes, como estas - abaixo - que comoveram o mundo todo;
 
Refugiado sírio, chorando, com seus filhos
ao chegar na ilha Kos, na Grécia
Imagem capturada na Internet (Fonte: UOL Notícias)
 
O menino Alyan Kurdi, 3 anos, morto em uma praia na Turquia. Sua mãe e seu irmão (5 anos),
 também, morreram afogados, só o pai sobreviveu 
Imagem capturada na Internet (Fonte: G1 Mundo)
 
 - A políticas de fechamento de fronteiras por parte de determinados governos europeus aos refugiados sírios, os quais temem pela segurança e estabilidade do seu país ou, ainda, outros por apresentar uma economia mais vulnerável em face da crise da Zona do Euro.
 
A Hungria, por exemplo, fechou as fronteiras com cercas para impedir a entrada dos mesmos, enviando, inclusive, soldados a fim de garantir a ordem e a segurança.

 
Cerca na fronteira da Hungria com a Sérvia
Imagem capturada na Internet (Fonte: Revista Exame)
 
A Grécia, diante de sua situação econômica frágil, pediu ajuda emergencial à União Europeia para acolher os refugiados. Por sua localização geográfica estratégica é um dos países de entrada à Europa, de maior acesso dos refugiados, à partir da rota pela Turquia;

- As altas expectativas para o refúgio em território europeu devido o nível de desenvolvimento dos países, mesmo estando a União Europeia mergulhada em uma crise econômica e financeira (sobretudo, a chamada Zona do Euro). Como a maioria dos refugiados tem nível de escolaridade básico e médio, estes podem suprir a falta de mão de obra no mercado de trabalho em muitos países, alavancando a economia dos mesmos, como é o caso da Alemanha e do Reino Unido.
 
Na verdade, estas mediações consistem em um jogo de interesses políticos e econômicos. O próprio governo da Alemanha, país que está mais aberto a acolher os sírios, deixou de acatar a chamada “Regulação de Dublin” (Lei da União Europeia), que determina que o refugiado deve requisitar asilo político no primeiro país da União Europeia ao qual entrou ao chegar no continente, em agosto deste ano, abriu uma exceção quanto a isso, permitindo que os refugiados se registrassem direto em seu país, independente de outras nações que os mesmos já tivessem entrado antes.
 
Imagem capturada na Internet (Fonte: BBC Brasil)
 
Embora, a Alemanha tenha um histórico de movimentos nacionalistas, xenófobos, de atuação de grupos neonazistas simpatizantes à imagem e às ideias de Adolf Hitler e, com isso, de aversão e violência aos imigrantes (estrangeiros), o país tem muito a ganhar com a vinda dos refugiados sírios mediante não só à crise econômica mundial, mas também em termos de seus indicadores sociais, como a baixa taxa de natalidade e a expectativa de vida elevada de sua população.
 
Melhor dizendo, o Estado se mostra preocupado com os rumos do país tanto em termos da economia em face da crise mundial quanto pelo fato de haver um menor número de jovens para o mercado de trabalho (População Economicamente Ativa - PEA), enquanto se verifica um aumento da população idosa e pensionista, o que representa um comprometimento ao sistema de Previdência Social do país.
 
Com a abertura de suas fronteiras e abrigo aos refugiados sírios, a Alemanha só tem a se beneficiar economicamente. Com esta política de acolhimento, o país acabou se tornando o destino mais procurado pelos imigrantes que chegam ao continente, tornando o país europeu com o maior número de pedidos de asilo.
 
Só neste ano (2015) até o final do mês de julho, foram mais de 188 mil pedidos de asilo (15.416 a mais do ano de 2014).
 
Refugiado com a imagem da Chanceler alemã,
Angela Merkel, deixando Budapeste (Hungria).  
Imagem capturada na Internet (Fonte: UOL Notícias)
 
Contudo, na opinião de muitos, as respostas concretas dos governos sobre o drama dos refugiados sírios ainda se mostram muito incipientes em face de sua extensão, que vai além do deslocamento físico, internacional, remetendo a violações dos direitos humanos tanto no contexto da situação de sua terra natal (guerra civil e atuação do grupo terrorista Estado Islâmico) quanto na travessia - via terra e/ou mar - a outro país e, em muitos casos, no âmbito do próprio território a qual foi acolhido como refugiado
 
Devemos refletir não só pela questão socioeconômica como também a psicológica por meio das perdas materiais (abandono de seus lares, perda do emprego, mudanças drásticas do padrão de vida, fugindo somente com a roupa do corpo) e, sobretudo, as perdas humanas (mortes de familiares tanto em consequência dos conflitos internos quanto pela travessia arriscada até à Europa).
 
Os problemas não acabam com o registro e acolhimento em um país estrangeiro, pois além de ter que se adaptar e reconstruir a vida à nova realidade política, econômica, social e cultural, estes passam por muitas dificuldades, antes nem imagináveis (abrigos provisórios e precários, material de consumo insuficiente, roupas, alimentos, entre outros recursos necessários para assegurar condições razoáveis de sobrevivência).
 
Talvez o medo de muitos países, diante do grande fluxo migratório da população síria, seja o grande empecilho a um comprometimento maior dos mesmos às suas causas. Na verdade, espera-se que o conflito na Síria, embora de difícil mediação até hoje, tenha um fim satisfatório, possibilitando que as famílias sírias retornem e retomem as suas vidas em sua terra natal.
 
O vice-chanceler alemão Sigmar Gabriel e o ex-chanceler britânico David Miliband, em artigo publicado no DW (clique no link para ler o artigo na íntegra) afirmam que a adesão dos governos da União Europeia e de outros continentes, neste momento, torna-se imprescindível na amenização da realidade crítica dos refugiados sírios.
 

Nenhum país pode resolver sozinho uma crise desta magnitude. Mesmo a Europa não pode fazer isso, com a melhor boa vontade do mundo. Uma crise global requer uma resposta global. Mas a Europa vai se tornar muito mais capaz de convencer os Estados Unidos, os Estados do Golfo e outros governos – que ainda não se comprometeram com o problema – a também contribuírem, se adaptar suas próprias ações à dimensão do problema”.

Mesmo com toda a distância geográfica, o governo brasileiro vem facilitando e mantendo uma política de concessão aos refugiados sírios, a partir de uma Resolução, em 2013. Esta política fez com que o Brasil se destacasse, em termos de solidariedade e acolhimento, no contexto da atual crise humanitária internacional. 

De acordo com os dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça, o número de refugiados sírios que o Brasil acolheu é maior que o número dos EUA, de outros países da América Latina e de muitos do continente europeu.

Só para se ter uma ideia, entre os muitos povos que receberam status de refugiados em nosso país, a população síria é a maior, seguida pela angolana, colombiana e congolesa. No período de 2011 até agosto de 2015, o governo brasileiro atendeu pedidos de 2.077 sírios.

No continente americano, ele só perde para o Canadá que, no período de janeiro de 2014 a janeiro de 2015, recebeu 2.374 refugiados. 

No entanto, assim como nos demais países, as famílias sírias refugiadas têm encontrado dificuldades em reconstruir suas vidas, em nosso país, em razão – sobretudo - da falta de emprego e de uma moradia definitiva. Não esquecendo que o país, também, está passando por momentos difíceis diante da crise econômica mundial.

Para piorar, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Agência da ONU, que fornece abrigo, água potável, saneamento e assistência médica aos refugiados, necessitam da ajuda da população civil e/ou entidades privadas através de doações a fim de assegurar o atendimento aos mesmos.

Como era de se esperar, ao mesmo tempo em que os partidos anti-imigração avançam, sentimentos nacionalistas e xenófobos (aversão ao imigrante) tem ressurgido em vários países da Europa, configurando-se mais um problema a ser enfrentado pelos refugiados, como vítimas em potencial e, as autoridades locais, com vistas a impedir a violência.
 

É preciso fazer mais! Muito mais...
 
“Mas além de abrir suas portas, se faz importante que o país implemente uma política de acolhimento e atenção às necessidades específicas dos refugiados, pautada pela reintegração. É preciso garantir que estas pessoas explorem ou continuem a explorar seus potenciais como seres humanos, enriquecendo a cultura local e contribuindo para o desenvolvimento nacional. (...) isolar, excluir e ignorar minorias apenas presta um desserviço à população, fomenta intolerâncias, preconceitos, discriminação e violência, minando mesmo a segurança pública”.  (Adus - Instituto de Reintegração do Refugiado).
 
Fontes de Consulta
 
. CUKIER, Heni Ozi. O Dilema dos Refugiados na Europa - Revista Exame
 
. ELSAYED-ALI, Sherif. Abrir os Corações à Crise de Refugiados da Síria - Público
 
. Estado Islâmico: Grupo Terrorista – História do Mundo
 
. Hostilidade contra migrantes e estrangeiros cresce na Europa – Revista Exame
 
. Hungria inicia construção de quarta cerca contra imigrantes, diz TV oficial – G1
 
. Jornal O Globo (impresso - várias edições)
 
. O que é a Convenção de 1951? ACNUR
 
. Opinião: Europa tem que fazer mais pelos refugiados - DW –Made for Minds
 
. Para os refugiados, as dificuldades não acabam após a travessia de fronteiras – nem se encerram os sofrimentos e lutas - Adus -Instituto de Reintegração do Refugiado.
 
. Político corta cerca anti-imigrantes na Hungria em protesto – Revista Exame
 
. Por que os refugiados querem ir à Alemanha? BBC Brasil



sábado, 5 de março de 2011

Líbia: A Crise no Mundo Árabe Continua

Muammar al-Gaddafi

Ditador Muammar Kadafi
Imagem capturada na Internet (Fonte: Wikipedia)



Apesar de a violência ser algo abominável, a crise no mundo árabe (países de língua e política árabe) parece ser algo inevitável.

Um embate entre duas posições totalmente contraditórias, no qual o processo histórico e repressivo instituído faz pressão, se sobrepondo às tentativas de uma maior abertura política e de liberdade exaltadas por gerações mais novas e outras não tão novas assim, mas descontentes.

É um caminho sem volta para muitos países da África do Norte e do Oriente Médio, os quais sob o efeito dominó, iniciado pela Tunísia e seguido pelo Egito, vem demonstrando para o mundo, a força e a insatisfação do povo subjugado a regimes repressivos e autoritários de seus governantes, que estão no poder há décadas. É o movimento chamado "Primavera Árabe".

Os protestos e as manifestações populares se espalham e ganham mais adeptos. E tal como se caracteriza a sociedade moderna, a chamada sociedade do conhecimento, a tecnologia foi lizada como principal ferramenta ou recurso de mobilização popular, sobretudo, no Egito.

Tanto a queda do presidente da Tunísia, Zine Al-Abidine Ben Ali, ocorrida em 14 de janeiro deste ano, quanto a renúncia do presidente egípcio, Muhammad Hosni Sayyid Mubarak (82 anos) no dia 11 de fevereiro, encerrou – nos respectivos países - décadas de poder de governos autoritários.

O presidente da Tunísia estava no poder desde 1987, ou seja, cerca de 24 anos, enquanto Hosni Mubarak, que assumiu o governo em 1981, oito dias após o assassinato do então presidente do Egito, Anwar Sadat, em 1981, por militantes islâmicos, iria completar 30 anos de governo em outubro deste ano.

Apesar de manifestações populares sob os mesmos argumentos (contrários ao regime autoritário e luta por uma abertura política) já terem iniciado em outros países, como por exemplo, Marrocos, Irã, Argélia e Bahrein, nenhum destes está tendo tanto destaque quanto ao confronto entre o ditador Muammar Kadafi, no poder há cerca de 42 anos (desde 1969) e a população da Líbia (Grande República Socialista Popular Árabe da Líbia), localizada também ao Norte da África.

Kadafi já declarou diversas vezes, desde o início das manifestações populares no dia 14 de fevereiro, que não vai deixar impune os líderes de oposição, bem como vai defender seu regime e reprimir com armas todos os manifestantes antigoverno, os quais denomina de "ratos e drogados".

Muammar Kadafi afirma ser mais do que um presidente, mas sim, um líder revolucionário. E é, com este argumento, que ele se apoia para justificar que não pode renunciar.

A posição firme de Kadafi está apoiada, sobretudo, em seu aparato de segurança, o qual reunindo as Forças Armadas, a polícia, o serviço de segurança e o serviço secreto contabilizam, segundo fontes de pesquisa, aproximadamente 140 mil pessoas (a população da Líbia é de cerca de 6,3 milhões habitantes).

Contudo, a perda do controle da cidade de Bengasi (segunda maior cidade do país) e da região de Cirenaica, localizada no nordeste do país, já demonstrou que esta base não é tão segura assim. Muitos militares estão se posicionando contrários à política repressiva de Kadafi aos manifestantes.

Ao que se sabe (depoimentos de jornalistas e moradores), outras cidades, como Minsratah e Zawiya, localizadas mais próximas à capital (Trípoli), já estariam também sob controle dos rebeldes.

As cidades de Tobruk e Derna também já foram tomadas pelos oposicionistas ao governo de Kadafi.

O comando destas cidades está na mão dos chamados "conselhos populares".

De acordo com alguns analistas, os militares que recusaram a cumprir às ordens ou se uniram aos rebeldes (manifestantes) fazem parte de unidades militares do exército marginalizadas e precariamente armadas.

As melhores unidades, no entanto, permanecem leais ao governo, inclusive, a Brigada 32 – do setor da aviação – liderada pelo quinto filho do ditador líbio (Khamis Al-Kadafi).

Os rebeldes fazem uso de lançadores de granadas e fuzis Kalashnikov, enquanto as forças de segurança da Líbia utilizam equipamentos pesados, como tanques e a maioria dos dispositivos aéreos.

Na 3ª feira passada (01/03), a Organização das Nações Unidas (ONU) suspendeu a posição da Líbia no Conselho de Direitos Humanos da Entidade, no qual ingressou no ano passado (2010), em razão da repressão violenta aos protestos antigoverno no país. Segundo a ONU, mais de 1.000 pessoas já morreram em consequência dos conflitos.

O impasse parece não ter fim. Não só na Líbia...

A crise que se espalha no Norte da África e no Oriente Médio é fato, não há o quê contestar! Os motivos são vários e justificáveis, independentes da posição de análise dos argumentos.

Nesta conjuntura podemos afirmar que os resultados dos embates entre o governo x populares são previsíveis e, infelizmente, nada pacíficos. Ao mesmo tempo, podemos afirmar que, nesta conjuntura, nenhum líder árabe está se sentido seguro.

Incerto é o futuro destas nações em termos de início de um processo democrático. Sabemos que as intenções são estas, mas o processo é por demais lento e cheio de entraves.


Fontes de Consulta

. G1.com - Revolta Árabe

. Jornal O Globo (diversas edições)

. Último Segundo

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O Fim da Era Mubarak no Egito: "O povo derrubou o regime"


 Comemorações na Praça Tahrir, no Cairo após a renúncia do presidente egípcio
Imagem capturada na Internet (Fonte: Terra/Mundo - Foto: AFP)


A perspectiva era grande e o entusiasmo contagiou os mais otimistas, mas o desfecho da crise no Egito com a renúncia do seu presidente – esperada ontem com o seu pronunciamento em cadeia nacional – não aconteceu. Ela só veio a ocorrer mesmo, hoje, levantando o ânimo e as esperanças da população egípcia.
 
Muhammad Hosni Sayyid Mubarak, de 82 anos de idade, que estava no poder a quase três décadas deixou o cargo, hoje (11/02), embora em seu pronunciamento, ontem, o mesmo tenha ratificado, mais uma vez, a sua intenção real em aguardar a sucessão presidencial nas próximas eleições deste ano (setembro).


                                                     Ex-presidente Hosni Mubarak
                                                        magem capturada na Internet (Fonte: G1.Globo)


O anúncio de sua renúncia foi feito pelo vice-presidente egípcio Omar Suleiman na TV estatal egípcia Al Arabiya, provocando forte comoção e comemorações na praça Tahrir, no Cairo, onde milhares de manifestantes se encontravam reunidos.
De acordo com os últimos noticiários, o presidente Hosni Mubarak não aguentou a pressão popular e a crise instalada no país, cedendo aos apelos da população a sua saída do governo.
Pelo menos essa é a versão apresentada nas mídias, contradizendo radicalmente o seu discurso até ontem.
Com a sua renúncia (espontânea ou forçada, vamos saber ao certo!), Mubarak passou o poder ao Conselho das Forças Armadas. Segundo o porta-voz do Partido Nacional Democrático (NDP), do governo, Mubarak e sua família viajaram para o balneário de Sharm el-Sheikh, no mar Vermelho.
O Egito respirou aliviado e as comemorações se espalharam não só em território nacional, mas em outros países através dos seus imigrantes egípcios.
 Para quem não está acompanhando os noticiários, vou tentar explicar a crise no Egito, movida por protestos populares, os quais tiveram início no dia 25 de janeiro deste ano, na praça Tahrir, no centro do Cairo, capital do país.
A primeira manifestação popular contra o governo egípcio foi convocada por meio da rede social Facebook pelo ativista e director de marketing da Google para o Médio Oriente, Wael Ghonim.
Outros protestos em massa se sucederam pelas principais cidades do país. Além da capital (Cairo), Alexandria, Suez e Ismaília serviram de palco às manifestações populares.
O número oficial de mortos são bastante divergentes, mas segundo a estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) cerca de 300 pessoas já morreram em decorrência das manifestações, nos confrontos com a polícia e o Exército.
Na tentativa de conter os protestos, o governo estabeleceu toques de recolher das 16h às 8 h (horário local) e o bloqueio de telefonia e da internet. O ativista Wael Ghonim ficou preso por 11 dias, sendo solto recentemente.
Até o ponto que eu tomei conhecimento, a telefonia celular estava sendo gradualmente restaurada, mas a Internet permanecia bloqueada no país. Com a saída do presidente, certamente, a situação vai se normalizar. Pelo menos é o que se espera!
Hosni Mubarak assumiu a presidência após o assassinato do então presidente egípcio, Anwar Sadat, em 1981, por militantes islâmicos durante uma parada militar no Cairo. Mubarak, na época, era o vice-presidente e mesmo estando presente no local, ele conseguiu sair ileso do ataque.
Desde que assumiu o governo do Egito, no dia 14 de outubro de 1981 (8 dias após o assassinato de Anwar Sadat), Mubarak já sobreviveu a pelo menos seis tentativas de assassinato.

Com um perfil anti-popular e sob um regime autoritário, durante a sua gestão como presidente (cerca de 30 anos), Mubarak se tornou um importante aliado dos países ocidentais e configurando-se como um estadista internacional com base na mesma questão que motivou a morte de Sadat: a busca da paz com Israel.
O Egito e a Jordânia são os dois únicos países árabes a terem Tratados de Paz com Israel. E a preocupação existente residia na possibilidade do levante popular no Egito se transformasse em uma revolução. Se tal situação caminhasse e se concretizasse como tal, seria um golpe duro para o já enfraquecido processo de paz no Oriente Médio.
Os manifestantes egípcios exigiam a saída imediata do presidente e a implantação de reformas democráticas no país, já que a repressão, a corrupção, inclusive, fraudes eleitorais sempre estiveram associados a sua gestão nestes anos todos. Além destes aspectos, a população atribui - ao governo - a responsabilidade pelos níveis de pobreza e do desemprego que assolam o país.
A respeito das próximas eleições, os manifestantes também impuseram garantias de que o seu filho, Gamal Mubarak, chefe do comitê político do Partido Nacional Democrático (NDP), não fosse o seu sucessor na presidência (o presidente egípcio também tem outro filho, Alaa Mubarak).
No domingo passado (06/02), no entanto, foram promovidas algumas mudanças na cúpula do partido governante do país (NDP) e uma delas foi a destituição de Gamal Mubarak do cargo de chefe do comitê político do NDP, sendo nomeado – em seu lugar - o senador Hosam Badrawi.
Tal medida foi entendida por muitos como sinal de que o filho de Mubarak não irá disputar o cargo de presidente nas próximas eleições de setembro.
Todas estas mudanças realizadas, pelo então presidente egípcio, serviram para acalmar os ânimos da população insurgente e garantir a sua permanência no poder. De nada adiantou, pois os protestos continuaram mesmo com a presença e atuação dura das forças da polícia e do Exército.
Com tudo isso, outro aspecto merecia devida atenção e preocupação, segundo os analistas, pois os protestos populares poderiam dar bases e/ou ascender um movimento por parte de grupos islâmicos ou, pior ainda, estarem sendo instigados por estes numa tentativa de chegar ao poder mediante a crise política ou por meio de eleições livres.
O maior e mais organizado grupo de oposição no país é a Irmandade Muçulmana, grupo fundamentalista islâmico, ligado ao Hamas palestino. Este foi colocado na clandestinidade pelo presidente Mubarak sob pressão do Ocidente (EUA e a Europa), que teme que o referido grupo islâmico possa assumir o governo do país.

A Irmandade Muçulmana defende a adoção de leis religiosas no Egito, baseadas na sharia (código islâmico, fundamentado no Corão). Mas, o grupo – a princípio - se manteve em uma posição discreta durante os protestos e os confrontos que se sucederam no país por temer retaliações por parte do governo.
Na verdade, os manifestantes não representavam um determinado segmento da população; representava a sociedade egípcia, independente de classe social, religião, sexo e faixa etária. Era uma manifestação popular, geral, por reformas democráticas no país.
Nestes últimos dias, até o posicionamento do Exército e do Conselho Militar Supremo do Egito deu bases para a cogitação de um possível golpe militar.
A Comunidade Internacional também reagiu face à crise no país. Os EUA, responsáveis por bilhões de dólares em ajuda para o Egito, se manifestaram contra a crise, pedindo uma “transição ordenada” de poder.
 Os líderes da ONU, da Grã-Bretanha, da França e da Alemanha chegaram a solicitar o fim da violência e a realização de reformas no país.
Em contrapartida, tanto o rei da Arábia Saudita, Abdullah Bin Abdulaziz Al Saud, quanto o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, manifestou apoio a Mubarak, condenando os manifestantes por colocarem em risco a segurança e a estabilidade do país.

Como podemos perceber, a crise no Egito foi marcada não só pelos diversos aspectos associados ao regime autoritário versus o clamor popular por reformas democráticas, como havia em jogo, também, aspectos políticos, religiosos (extremos) e econômicos de amplitude mundial.
Durante os 18 dias de protestos, os efeitos da crise foram sentidos nos mercados globais, provocando a queda dos valores das ações nas principais bolsas do mundo e a elevação do preço do petróleo.
Com a renúncia de Mubarak, as ações nas bolsas de valores voltaram a subir.
Além do presidente egípcio, o Secretário-Geral do Partido Nacional Democrático, Hossam Badrawi, renunciou. Este havia assumido o posto, recentemente (06/02), após a renúncia do ex-Secretário-Geral, Safwat el-Sharif e de Gamal Mubarak, filho do presidente, mediante as mudanças políticas implantadas por Mubarak na tentativa de se manter no poder mesmo sob a pressão popular.

A renúncia do presidente Hosni Mubarak por pressão popular tem um significado muito forte e consolida a crise por qual perpassa o mundo árabe. O governo egípcio representa a segunda ditadura a ruir no Norte da África e na região sob influência árabe, em menos de um mês.
Para quem não recorda, a Tunísia passou por uma crise análoga, de insatisfação popular por motivos semelhantes (corrupção, ditadura e alto índice de desemprego), a qual se solidificou na chamada Revolução do Jasmim, ocorrida no dia 14 de janeiro, que resultou na fuga do ditador Zine el Abidine Ben Ali (23 anos no poder) que acabou se refugiando na Arábia Saudita.
Sob este mesmo contexto, outros países da África do Norte e do Oriente Médio seguem o processo democrático em busca de liberdade e o fim do regime autoritário de seus governantes, tal como a Mauritânia, Argélia, Jordânia e Iêmen.
Hoje, um grito só foi ouvido por milhares de vozes... "O povo derrubou o regime".


Protestos no Egito - Imagem capturada na Internet (Fonte: Correio Braziliense)


Protestos no Egito - Imagem capturada na Internet (Fonte: Correio Braziliense)



Protestos na Praça Tahrir   (Fonte: A Tarde OnLine)



Fontes de Consulta:




. Jornal O Globo (impresso/várias edições)