A imagem acima é de um cartaz colado na Agência da Polícia Federal (Delegacia de Imigração), localizado no Aeroporto Santos Dumont (cidade do Rio de Janeiro). O cartaz alerta sobre os riscos de falsas promessas de
emprego associadas ao tráfico humano.
Neste dia (19/12/2024), eu estava
acompanhando o meu esposo, que havia renovado o seu passaporte. Ao ver o
cartaz, solicitei autorização - ao funcionário da Polícia Federal - para tirar uma foto do mesmo, o que me foi autorizado.
A minha intenção era aproveitá-la para trabalhar o tema (tráfico humano) – um dia – no Blog, já que por falta de fotografias minhas (próprias), eu sempre sou
forçada a capturar imagens na Internet, em outros sites, para ilustração.
E o momento mais que exato chegou! Digo, infelizmente chegou!
Pois, o tráfico humano é uma prática ilegal e lucrativa, que atinge milhares de pessoas no mundo inteiro. Sendo, sem dúvida nenhuma, uma das formas mais grave de violação dos direitos humanos. E não haveria de ser diferente em relação ao Brasil, isto é, para os brasileiros.
E o momento chegou com a notícia de
que dois brasileiros foram vítimas do tráfico humano por uma máfia chinesa. Os paulistas Luckas Viana dos Santos (31 anos) e Phelipe de Moura Ferreira (26 anos), chegaram ao Brasil na 4ª feira passada (19/02), após terem sido mantidos reféns, por três meses, por uma máfia de golpes cibernéticos em Mianmar, no Sudeste Asiático.
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Da esquerda para direita, Luckas Viana e Phelipe Ferreira Imagem capturada na Internet (e modificada) Fonte: O Globo Foto: Guilherme Queiroz |
No ano passado (2024), ambos, que até então não se
conheciam, foram vítimas do golpe das falsas
promessas de emprego na Internet, tal como o cartaz (no início deste
artigo) chama a atenção (alerta).
Luckas Viana recebeu uma proposta de emprego nas Filipinas, para trabalhar em um cassino. Meses depois, o cassino fechou e ele, como não tinha dinheiro para voltar ao Brasil, procurou outras oportunidades de emprego pela região asiática.
Por meio do Telegram, ele recebeu um
convite para trabalhar na área da tecnologia em Mae Sot, cidade tailandesa situada na fronteira com Mianmar. A viagem foi realizada no dia 7 de outubro, mas, Luckas acabou sendo levado por mafiosos para KK Park, em Mianmar, onde
passou a ser escravizado.
Phelipe foi feito refém no mês de
novembro do mesmo ano (2024). Inicialmente, ele recebeu um convite de emprego no Uruguai e, lá mesmo, em terras uruguaias, ele teve, através do Telegram, outra proposta de trabalho na área tecnológica, só que na Tailândia.
De acordo com o mesmo, ao chegar no país, um motorista o pegou no hotel e o levou para Mianmar, onde ele se tornou refém como os outros imigrantes, incluindo o Luckas, que já se encontrava na localidade e não conhecia o Phelipe.
Com as falsas promessas de emprego, todos foram parar na KK Park, localizada em um Complexo de fábricas fraudulentas em Myawaddy (Mianmar), na fronteira Mianmar-Tailândia. Esse complexo é conhecido por aplicar golpes financeiros on line.
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Complexo Industrial onde se localiza a KKK Park Imagem capturada na Internet Fonte: G1 Foto: Stefan Czimmek/DW |
Phelipe só soube da existência de Luckas, três dias após chegar na fábrica, mas, não o conheceu pessoalmente. Ele só soube que outro brasileiro (Luckas) estava preso por não querer trabalhar e atender as ordens da máfia chinesa.
Em seu depoimento, Luckas afirmou que se negou a aplicar alguns golpes e, em razão de sua resistência, ele foi punido com golpes desferidos com vara de bambu, choques elétricos, chegou a ficar pendurado e algemado por horas.
Já o Phelipe preferiu
não se arriscar a contrariar as ordens da máfia. Ele tinha que se passar por agente digital para
aplicar golpes on-line, sobretudo,
em brasileiros (mesma
nacionalidade).
De acordo com o mesmo, havia uma meta a ser alcançada e que aumentava dia após dia. Se a meta não fosse cumprida, eles eram punidos.
De acordo com o Phelipe (G1), a rotina de trabalho (escravo) na KK Park seguia o seguinte esquema:
"Nesse
script, a gente perguntava ao cliente,
no
primeiro dia, informações como nome, idade, país
onde
morava, se era solteiro, casado, viúvo,
com o que
trabalhava e o salário.
Já no
quarto dia, a gente pedia uma ajuda.
Falava
que trabalhava numa plataforma online
chamada
Wish e, se ele ajudasse,
ganharia
uma comissão de 30 dólares.",
No outro dia, a vítima do golpe tornava a pedir ajuda. Nesta fase, ela ganhava a comissão, só que tinha que concluir algumas tarefas na Plataforma e, para isso, precisava fazer recargas.
E é, justamente, neste momento, que as vítimas passam a perder dinheiro para a máfia. A primeira recarga era no valor de US$150 (150 dólares), a segunda, US$ 500, e assim, por diante, até completar o valor de U$D 5.000,00 (cinco mil dólares).
Em média, Phelipe e outros imigrantes trabalhavam 16 horas por dia,
aplicando golpes financeiros nas pessoas. De acordo com o mesmo,
"Às
vezes, a gente trabalhava 22 horas por dia.
Líderes
de equipe, todos chineses,
nos
monitoravam a cada 10 minutos.
Se não
cumprisse aquela meta, no final do mês,
eu ia receber a punição.
A punição era eletrochoque,
espancamento ou squat down,
que é fazer agachamento. Recebi punição três vezes."
Nos três meses em que “trabalhou” na KK Park, Phelipe foi punido - apenas - com agachamentos, não sofrendo eletrochoque e nem espancamento, segundo o mesmo.
Tanto Phelipe quanto Luckas, juntamente com outros
reféns, planejaram fugir por três vezes, mas, só obtiveram sucesso na terceira
tentativa.
A primeira tentativa ficou acertada para ser no dia 1º de janeiro de 2025, mas, não deu certo. A data do segundo plano ficou definido para ser em 28 de janeiro (dia do Ano Novo chinês), mas, por conta das comemorações da data festiva, a quantidade de policiais era muito grande. De acordo com Phelipe, eram mais de 500 guardas no rio. Por isso, também, não tiveram sucesso.
Eles, em tempo algum, pensaram em desistir e, por
isso, marcaram a terceira data de fuga: dia 08/02.
O plano de fuga não foi descoberto pela máfia e a operação foi viabilizada com a ajuda de ativistas da ONG internacional "The Exodus Road" - que luta contra o tráfico humano - que conseguiu avisar os parentes das vítimas e à imprensa brasileira.
Eles foram resgatados no dia seguinte (09/02), com a ajuda da ONG "The Exodus Road". No entanto, logo após a fuga, eles foram apanhados e levados para um local específico.
Segundo Phelipe,
"O
meu antigo chefe entrou no quarto
com o meu antigo líder e espancou a gente.
Nesse momento,
eu já não tinha mais esperança.
Mas, depois de um dia lá,
a tribo Karen entrou e resgatou a gente.
Nesse
momento, chorei tanto, mas tanto."
A tribo Karen, que ele citou como responsável pela libertação do grupo, trata-se - na verdade – dos soldados do Exército Democrático Karen Budista (DKBA), que foi imprescindível para o resgate de todos os reféns escravizados, após negociamento com a ONG Exodus Road. Em seguida, eles foram levados a um centro de detenção local.
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Soldados do Exército Democrático Budista dos Karen Imagem capturada na Internet Fonte: Al 102 |
Três dias depois, eles foram encaminhados para outro centro de detenção, em Mae Sot (Tailândia), onde foram submetidos a procedimentos, com a Embaixada brasileira, para confirmar que eles eram realmente vítimas de tráfico humano.
No dia 18 de fevereiro (3ª feira), à tarde, eles embarcaram de Bangkok (Tailândia) e, no dia seguinte (19/02) desembarcaram no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo, onde houve o reencontro deles com suas respectivas famílias.
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Luckas e Philipe com seus familiares Aeroporto de Congonhas (São Paulo) Imagem capturada na Internet Fonte: Metrópoles |
Cíntia Meireles, Coordenadora da ONG Internacional
Exodus Road, que
acompanhou o caso dos paulistas Phelipe e Luckas, inclusive, participando do reencontro
deles com suas respectivas famílias, no aeroporto de Guarulhos, informou
que há outros
oito brasileiros mantidos como reféns e trabalhando para a mesma máfia de golpes
financeiros.
"Acho
que devolver um filho para uma mãe,
um filho
para um pai, não tem preço.
Fazer
esse reencontro e cumpri a missão é muito bom.
A gente
tem uma base na Tailândia e nosso objetivo é
libertar
o máximo de pessoas e fazer trabalho de prevenção
para que
não tenha mais vítima de tráfico de pessoas."
Eles tiveram muita sorte em sobreviver como vítimas de tráfico humano, ter
tido o apoio
e a ajuda
de pessoas na hora
da fuga e do resgate de ambos. No final, aprenderam uma
lição fundamental para não cair mais em armadilhas deste tipo...
"Vim
para cá com um sonho, que foi destruído.
O alerta
que tenho para dar é sempre procurar
saber
mais sobre a empresa que você vai trabalhar
e se é
realmente legalizada"
(Philipe Ferreira, G1/Globo)
. BAYER, Julia; PINEDA, Julett; LI, Yuchen e SANDERS, Lewis: Por dentro da fábrica de fraudes que explorava brasileiros - DW
. Como um exército rebelde budista ajudou a resgatar os brasileiros escravizados por máfia de golpes cibernéticos – Al 102
. MARCUS, Enzo: “Finalmente, livres”: vítimas de
tráfico humano no retorno de Mianmar - Metrópoles
. Nações fracas da ASEAN 'correm o risco de evoluir para estados fraudulentos' - Asiafinancial
. PATRIARCA, Paola: Brasileiros vítimas de tráfico
humano em Mianmar chegam ao Brasil – G1/Globo