Imagem capturada na Internet
Em comemoração à data de hoje, 30 de abril, Dia
Nacional da Mulher, escolhi a crônica "Eu nos Outros" de autoria de Martha Medeiros
- recém-publicada em alguns meios de comunicação - que fala sutilmente do saber
ser mulher, gostar de si própria do jeito de ser, mesmo fazendo uma
comparação com outras mulheres, talvez, até melhores que a gente.
É só uma
questão de amar a si mesmo e apreciar as outras mulheres, sem inveja, apenas
pela admiração do jeito peculiar delas serem felizes também.
EU NOS OUTROS
Martha Medeiros
Estava caminhando pela rua quando passei por uma mulher
muito charmosa, e seu charme era consequência de diversas escolhas acertadas, a
começar pelo cabelo. Um corte chanel repicado, rebelde, volumoso, e uma franja
comprida e displicente que dava ao look um ar de “acordei assim e saí pra rua”,
e deve ter acontecido mesmo, ela acordou e saiu pra rua sem nem se olhar no
espelho antes, tinha um cabelo que não dava trabalho e a deixava com uma
aparência moderna e jovial, mesmo com seus 40 e tantos. Pensei: adoro cabelo
curto. Nas outras.
Como ela usava uma camiseta regata, vi que tinha uma grande
tatuagem no braço. Era um desenho estilizado, parecia uma padronagem de tecido,
não era uma frase, um bicho ou qualquer coisa distinguível – apenas um desenho
abstrato que para ela, e só para ela, fazia todo o sentido e a personalizava
num grau único. É provável que ela tivesse também tatoos mais delicadas atrás
da nuca, no pulso ou no tornozelo, mas a do braço, imensa, era um ato de
bravura. Era uma mulher tão colocada, tão escandalosamente ela mesma, que
também me senti tudo isso pelo simples fato de apreciar nela o que não tenho a
audácia de fazer em mim. Adoro tatuagens. Nos outros.
E ela carregava nas mãos uma jaqueta de couro vermelha. Eu
nem precisava ver como ela ficaria vestida com a jaqueta, simplesmente todas as
blogueiras de street style a perseguiriam com suas lentes se a vissem
caminhando com aquela displicência de quem nasceu para desfilar com uma jaqueta
de couro vermelha no meio da tarde de uma segunda-feira a caminho de um
encontro com algum amante libanês (não parecia uma mulher que estava indo à
missa). E lá se foi ela portando nas mãos aquela peça vermelha que eu achei
incrível, eu que não tenho uma única peça vermelha no guarda-roupa, e indo ao
encontro de um fantasioso amante libanês que tampouco faz parte do meu
currículo.
O que me impede de tosar o cabelo, fazer uma tatuagem no
braço e comprar uma jaqueta vermelha? Nada. Simplesmente acontece de a gente
gostar muito de certas coisas, mesmo não tendo impulso suficiente para
adotá-las como nossas. É um exercício elevado de apreciação: saúdo quem acorda
às 5h da manhã para correr e também quem atravessa a noite dançando – não faço
uma coisa nem outra. Admiro quem tira um ano sabático para meditar num ashram e
também quem vai a Nova York de três em três meses. Quem decide não ter filhos e
quem tem e ainda adota alguns. Quem coleciona amantes e quem mantém um único e
eterno casamento. Quisera eu poder contar com sete vidas para abraçar todos os
jeitos de ser e de estar no mundo, mas tendo uma vidinha só, faço as escolhas
que melhor me identificam, sem deixar de aplaudir as minhas renúncias. A todas
as outras mulheres que não sou – ou que não sou ainda – meu sorriso e uma
piscadinha cúmplice.
Fonte: Jornal de Santa Catarina
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