sábado, 26 de agosto de 2023

Morte da Líder Quilombola e Ialorixá Maria Bernadete Pacífico: A Mãe Bernadete

Sede do Quilombo Pitanga dos Palmares
Fonte: Aratu On
Foto: Orlando Rosa (TV Aratu)

Ainda sob clima de euforia, desde o final do mês passado (julho), em razão do reconhecimento oficial da terra quilombola de Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis, município da Costa Verde do estado do Rio de Janeiro, as comunidades quilombolas sofreram, em geral, um baque muito grande com a notícia do assassinato de Maria Bernadete Pacífico ou Mãe Bernadete (72 anos), matriarca e líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizado no município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (Bahia), no dia 17 de agosto.

Líder Quilombola, Bernadete Pacífico
Imagem capturada na Internet
Fonte: G1 Bahia
Foto: Conaq

A referida líder comunitária e Ialorixá foi assassinada com 12 tiros (execução), quando estava com quatro crianças em sua casa, sendo três destes, seus netos. De acordo com diferentes reportagens acerca do respectivo caso, no momento da execução, mãe Bernadete foi afastada das crianças.  

Só em pensar nessa cena e nas que se sucederam, as imagens que nos vêm à cabeça são aterrorizantes. 

Assim como muitos líderes de comunidades quilombolas, Maria Bernadete Pacífico ou Mãe Bernadete (72 anos) vinha sofrendo diversas ameaças de morte, situação esta que a levou a fazer parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Governo Federal, executado pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH), em 2017. Justamente, após o seu filho, Fabio Gabriel Pacifico dos Santos, mais conhecido como Binho do Quilombo ter sido assassinado dentro da área do quilombo, em 19 de setembro do mesmo ano (2017). 

Fábio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho
Imagem capturada na Internet
Fonte: G1/Globo Bahia

Ele foi surpreendido e morto por homens armados, quando estava dentro do carro, na frente da escola do Quilombo Pitanga dos Palmares. 

Fabio Gabriel Pacifico, na época, exercia a função de líder do Quilombo e, desde o seu assassinato, sua mãe passou a lutar pela identificação e prisão dos responsáveis do seu homicídio. O que não deve ter agradado, nem um pouco, aos envolvidos no crime, com certeza!  

Mediante as ameaças que vinha sofrendo, por causa de suas cobranças acerca da apuração do assassinato de seu filho, assim como de outras, podemos constatar que pouco adiantou fazer parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), pois ela acabou sendo outra vítima, talvez, do mesmo grupo e do mesmo mandante...  

Em reportagem televisa e impressa, muitos membros da comunidade quilombola alegaram que a proteção prestada era muito falha, tal como argumentou David Mendez, advogado da família,  

Era uma proteção falaciosa.

Como é uma proteção sem Polícia Militar?

Sabe como era a proteção?

Uma viatura ia lá em horário indeterminado,

às vezes de manhã, às vezes de tarde, e falava:

‘Oi, dona Bernadete, tudo bem com a senhora?’.

Uma proteção para inglês ver”. 

(CORREIO, 2023)

Infelizmente, Mãe Bernadete foi morta antes do caso de seu filho ter sido concluído. Agora, o assassinato de ambos se encontram em processo investigativo.  

De acordo com as autoridades policiais, várias linhas de investigação estão sendo consideradas, tendo em vista que a sua execução pode estar ligada à grilagem de terra, à especulação imobiliária, sobretudo, de interesse industrial ou até mesmo à ação de grupos de tráfico de drogas. Eram diversos interesses sobre a área do Quilombo Pitanga dos Palmares e, a todos, Mãe Bernadete lutava contra. Segundo David Mendez, advogado da família:  

"As mais recentes ameaças diziam 

à extração ilegal de madeira.

Lá é uma APA e dentre as muitas brigas 

que Dona Bernadete capitaneava,

ela era uma espécie de delegada da comunidade, 

com autoridade moral.

Então ela não deixava que nenhuma bandidagem ou

que nada errado se criasse.

Ela batia de frente com facção criminosa,

batia de frente com extração ilegal" 


E, por isso, não restam dúvidas que era uma tragédia já anunciada... E os fatos e as estatísticas confirmam!  

Bernadete Pacífico foi a 11ª vítima quilombola assassinada no estado da Bahia, segundo dados da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) 

De acordo com a CONAQ, o seu filho Fabio Gabriel Pacifico dos Santos foi a primeira vítima registrada neste levantamento do estado da Bahia. 

Além de líder comunitária e líder religiosa, Mãe Bernadete também participava da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), lutando por direitos de sua comunidade e, também, de outros quilombos, além de defender e representar a cultura popular quilombola.  

Maria Bernadete Pacífico
Imagem capturada na Internet
Fonte: Correio

Mas, os problemas de sua comunidade quilombola (Pitanga dos Palmares) ultrapassavam os domínios de ameaças diretas e/ou indiretas por conta do homicídio de seu filho, ex-líder comunitário...  

Concomitantemente às ameaças, a cobiça por suas terras e os impactos ambientais gerados e/ou a serem gerados, sobretudo, por conta da especulação imobiliária industrial, pairavam ao mesmo nível de preocupação, luta e resistência de sua população e, em especial, da liderança de Mãe Bernadete. 

Formado por 289 famílias, a área territorial do Quilombo Pitanga dos Palmares é de 854,2 hectares. Ao entorno desta e em municípios adjacentes há diversos empreendimentos bilionários, assim como propostas de projetos a serem implantados, os quais - todavia - não oferecem a devida compensação ambiental, isto é, se dispõem a contrabalançar os possíveis impactos ambientais (ocorridos e/ou previstos) com ações positivas - sem o total prejuízo ao meio ambiente e à população local – tanto durante o processo de licenciamento ambiental quanto de sua operação 

No entanto, o Quilombo Pitanga dos Palmares já sofre diversos impactos diretos e indiretos de grandes empreendimentos tanto públicos quanto privados, existentes na região. 

Como, por exemplo, o Complexo Penitenciário Simões Filho, de sistema semiaberto, construído em 2002 e situado a 4 Km do Quilombo. A sensação de insegurança é grande, tendo em vista que já houve tentativa de invasão, de fuga e de rebelião de presos. 

Rodovias e diversas atividades petroquímicas, com destaque para o Polo Industrial de Camaçari, também, devem ser levados em consideração em termos de impactos socioambientais na região.  

O Polo Industrial de Camaçari, cuja distância é de apenas 6 km do Quilombo, além de ocasionar poluição atmosférica e de outras naturezas, possui dutos que cortam (atravessam) o território quilombola, ligando o referido Polo Industrial até o Porto de Aratu, na baía de Todos-os-Santos, no município de Candeias (BA).

"No território quilombola há uma estação 

de válvula de bloqueio

que tem potencialidade de explosão

em condições normais de funcionamento.

Em caso de vazamento anormal,

essa área potencialmente explosiva aumenta,

podendo provocar poluição do ar por gases tóxicos,

ocasionando lesões, mortes e doenças respiratórias." 

(BRASIL DE FATO, 2023) 

Como se pode observar, todos esses empreendimentos, passíveis de impactos socioambientais de qualquer natureza, bem como os conflitos de terras (conflitos fundiários) que existem, faz com que a comunidade quilombola Pitanga dos Palmares esteja sujeita não só à poluição atmosférica e dos cursos de água, como também a doenças crônicas, desmatamentos, perda da qualidade de vida, riscos de explosões, violência, entre outros. 

O território do Quilombo Pitanga dos Palmares teve a sua certificação da Fundação Palmares em 2005, mas o seu processo de titulação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que assegura o direito à terra, até hoje, não foi concluído. 

A demora de sua titulação definitiva é de caráter meramente político e a situação – cada vez mais – se agrava em prejuízo à vida e a autoridade dos quilombolas sobre o seu direito ao território.  

As atividades econômicas desenvolvidas no Quilombo são voltadas, sobretudo, à pesca, à agricultura familiar e ao artesanato baseado na extração de fibras de piaçava (obtidas pelas folhas da palmeira) e que são coletadas manualmente. 

Além do emprego de piaçavas, como matéria-prima, muitas artesãs quilombolas são bordadeiras, produzindo diversas peças em Ponto Cruz (bordado em fios contados, com formato de “X”). 

A comunidade também faz parte de uma Associação de agricultores, composta por mais de 120 produtores, os quais vendem frutas, verduras e fabricam farinha para o vatapá. 

Mas, embora ainda existam muitas lutas a enfrentar e as investigações para identificação e prisão dos respectivos autores dos homicídios, tanto de Mãe Bernadete quanto de seu filho, Fabio Gabriel Pacifico dos Santos, a vida precisa seguir, pois a comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares tem noção que não vai ser nada fácil, pelo contrário! 

Após o assassinato de Mãe Bernadete, o medo tomou conta, sobretudo, entre os membros de sua família, que temem por suas respectivas vidas. 

Seu outro filho, Jurandir Wellington Pacífico, sua esposa, três sobrinhos (que estavam presentes no dia da execução da avó) e a viúva de Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho (assassinado em 2017) deixaram o Quilombo, seguindo para um local secreto (desconhecido), onde se encontram sob vigilância da Polícia Militar durante 24 horas do dia

Segundo Jurandir Wellington,

"Foi uma decisão da família, se retirar do local.

Até porque foi um impacto muito grande,

os netos, meus sobrinhos viram a execução da avó.

É uma coisa muito forte.

Nós quilombolas somos resistentes,

mas tudo tem um limite". (Jornal Nacional – GLOBO)  

O corpo da líder comunitária e religiosa, Maria Bernadete Pacífico foi velado no Quilombo Pitanga dos Palmares no dia 18/08 (6ª feira) e foi sepultado no Cemitério Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas (Salvador, Bahia) onde o seu filho Flávio Gabriel está enterrado.  

Velório de Mãe Bernadete
Imagem capturada na Internet
Fonte: Portal A Tarde

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Imagem capturada na Internet
Fonte: BNews
Foto: Paulo M. Azevedo/BNews

A missa de sétimo dia (24/08) foi realizada na Igreja do Senhor do Bonfim, na capital baiana.  

Infelizmente, enquanto, as áreas remanescentes de antigos Quilombos não forem efetivamente homologadas e a comunidade quilombola não receber a Titulação definitiva, a qual que lhe concede o direito à terra, a cobiça e a exploração ilegal colocarão em risco a vida de sua população.  


Fontes de Pesquisa: 

. LACERDA, Nara: Território onde vivia Mãe Bernadete na Bahia é alvo de exploração e ataques desde o período colonial (2023) – Brasil de Fato 

. Mãe Bernadete é a 11ª quilombola morta na BA nos últimos 10 anos, aponta Conaq; relembre casos (2023) – G1/Globo 

. MOREIRA, Leo: Família de Mãe Bernadete deixa Quilombo e irá receber proteção 24h (2023) – Portal A Tarde 

. NOVAIS, Wendel de: Mãe Bernadete recebia ameaças constantes apesar de ter medida protetiva, diz advogado (2023) - Correio 

. NOVAIS, Wendel de: Grilagem, especulação imobiliária e interesse industrial: as hipóteses por trás da execução de Mãe Bernadete (2023) - Correio 

. Parentes de Mãe Bernadete deixam o Quilombo Pitanga dos Palmares, na Região Metropolitana de Salvador (BA) – G1/Globo – Jornal Nacional 

. VIEIRA, Malu: Quilombo Pitanga dos Palmares é lar de quase 300 famílias e tem histórico de conflitos fundiários, diz Governo da Bahia (2023) – G1/Globo - Bahia

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