terça-feira, 23 de setembro de 2014

Remanescente da nossa História Colonial em Plena Área Urbana: Fazenda Capão do Bispo


 Imagem da sede da antiga fazenda Capão do Bispo
(Foto do meu acervo particular)
 

Toda as vezes que passo na Av. Dom Hélder Câmara (antiga Av. Suburbana), em Del Castilho, e vejo a antiga casa do Capão do Bispo, meus pensamentos viajam e divagam no tempo, imaginando a época do Brasil agrário, do trabalho escravo, dos senhores de engenho, de uma sociedade estritamente patriarcal, entre outros aspectos históricos que marcaram o nosso país colônia e império.

Por se encontrar um pouco recuada na referida avenida, a existência da casa grande (sede) da antiga fazenda pode e até passa despercebida por aqueles que trafegam desatentos aos detalhes do bairro.
No entanto, a sua arquitetura imponente, sobre uma baixa colina (20 m), contrastando com a área urbana, de tráfego intenso, contempla a paisagem por sua preservação em terreno com traços rurais, embora sem nenhuma singularidade da época áurea de sua produtividade devido ao seu aspecto de total abandono.
 
Fora a isso há uma placa informativa bem em frente ao seu número (n˚ 4616), indicando a sua localização.  Observa-se ainda, junto a esta, duas outras placas indicando o Norte Shopping, mais a frente e o Caminho Imperial.

Fotos do meu acervo particular (ambas tiradas em 20/09/2014)
 
 
 
Pra quem desconhece, o próprio percurso da Av. Dom Hélder Câmara foi uma via terrestre importantíssima na época (é claro que diferente do traçado atual, em duas pistas), não só pela mobilidade das pessoas, mas – sobretudo - pelo escoamento da produção agrícola até o porto de Inhaúma, que se localizava no atual bairro da Maré (atualmente, inexistente, pois fora aterrado).
 
Referenciada por várias denominações, trata-se da antiga Estrada Real de Santa Cruz, sendo reportada também como Caminho dos Jesuítas, Caminho Imperial, Caminho das Minas e Estrada Imperial de Santa Cruz. Vide a imagem, onde a mesma é considerada como Caminho Imperial.
 
Construída na segunda metade do Século XVIII, a casa grande constitui a sede da antiga fazenda Capão do Bispo, edificada – estrategicamente - no alto de uma colina baixa (20 m), em área de planície, que na época era caracterizada por diversos vales, cortados pelos rios Jacaré, Faria e Timbó, os quais eram utilizados como vias de transportes, segundo registros bibliográficos.
 



 Fotos do meu acervo particular (tirada em 20/09/2014)
 
 
 O termo “Capão” é uma referência à vegetação nativa, isto é, à uma “porção de mato isolado no meio do campo” e, “Bispo”, porque a referida propriedade rural pertencia ao Bispo D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas de Castelo Branco, o primeiro bispo natural do nosso estado e o sétimo a governar a Diocese do Rio de Janeiro, exercendo esta função no período de 20/12/1773 a 29/01/1805, ano em que veio a falecer.
 
 Imagem extraída da Internet (Fonte: IBPA)

 
Originalmente, a área correspondente à propriedade rural Capão do Bipo, assim como a extensa área de planície pertenciam a sesmaria doada por Estácio de Sá aos jesuítas, cuja concessão fora confirmada, em 1565, pela Corte de Lisboa. Em 1759, as mesmas foram confiscadas pela Coroa Portuguesa e leiloadas, a partir de 1761, quando um dos compradores foi o Bispo D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas de Castelo Branco.
 
Segundo SILVA (2008), a extensão da fazenda Capão do Bispo correspondia, nos dias de hoje, aos bairros de Del Castilho e Pilares e parte dos bairros de Higienópolis, Cachambi, Maria da Graça, Abolição e Tomás Coelho.
 
O referido Bispo, tal como consta em registros bibliográficos, ainda possuía uma outra propriedade rural, a Quinta de Sant´Ana, cujo proprietário anterior havia sido João Barbosa Sá Freire.
 
Ambas, as fazendas faziam parte da Freguesia de São Tiago de Inhaúma, que foi elevada à esta categoria em 1743, após ser desmembrada da Freguesia de Irajá. O extenso território da Freguesia de Inhaúma englobava os seguintes bairros, atuais: Olaria, Ramos, Bonsucesso, Manguinhos, Benfica, Jacaré, Rocha, Riachuelo, Sampaio, Engenho Novo, Lins de Vasconcelos, Méier, Cachambi, Maria da Graça, Higienópolis, Del Castilho, Todos os Santos, Engenho de Dentro, Água Santa, Encantado, Piedade, Quintino de Bocaiúva, Cascadura, Engenho Leal, Cavalcante, Tomás Coelho, Pilares, Abolição, Engenho da Rainha, Inhaúma e parte dos bairros do Caju, São Cristóvão, da Mangueira e de São Francisco Xavier. (SANTOS, 1987 citado por LIMA, em 2011).
 
 Vista aérea da extensão atual da propriedade Capão do Bispo
Imagem obtida por meio do Google Earth
 
Embora, a minha imaginação levasse à época da escravidão e, simultaneamente, às lavouras de cana-de-açúcar, a Fazenda do Capão do Bispo foi um importante núcleo divisor entre dois dos ciclos econômicos que marcaram a história do Brasil.
 
Primeiramente, esta vivenciou à época do ciclo da cana de açúcar, a primeira atividade economicamente organizada em nosso país (século XVI ao século XVIII), com emprego da mão de obra escrava. Os canaviais que existiam na atual área do município do Rio de Janeiro se estendiam pelas Zonas Norte e Oeste. Daí, a origem de topônimos de alguns bairros como Engenho Novo, Engenho Velho, Engenho da Rainha e Engenho de Dentro, por exemplos.
 
No Século XVIII, o Rio de Janeiro já se destacava como o terceiro maior produtor de açúcar do Brasil, sendo superado apenas pela produção do nordeste, mais especificamente, da Bahia e de Pernambuco, sendo – com isso – o principal produtor na porção meridional do nosso país.
 
Há registros que a fazenda Capão do Bispo cultivava, além da cana de açúcar, alimentos básicos, como a mandioca, milho, feijão, legumes, arroz, anil, cacau, hortaliças e frutas, bem como pecuária, com criação de gado bovino.
 
Posteriormente, esta vivenciou o declínio da produção açucareira em meio a ascensão de outro produto agrícola, o café, o qual tornar-se-ia a base econômica da região do Vale do Paraíba, no século XIX. E, notadamente, a propriedade rural do Capão do Bispo teve uma relevância ímpar neste novo ciclo econômico.
 
De acordo com diversas fontes bibliográficas, as sementes ou mudas de café, procedentes do Maranhão, chegaram à atual cidade do Rio de Janeiro na segunda metade do Século XVIII, entre 1760 e 1762, pelo chanceler da Relação, o desembargador João Castelo Branco, iniciando-se na região da Mata da Tijuca, por volta de 1760.
 
Segundo Lamego (1948), citado por FRANCISCO et ali (2011), em 1792, o bispo D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castello Branco cultivava, em sua propriedade, café da espécie coffea arabica junto com a cana de açúcar. Sendo a sua propriedade rural considerada um dos principais núcleos disseminadores de mudas de café, as quais deram suporte para o desenvolvimento da cultura cafeeira em parte do interior do atual Estado do Rio de Janeiro.
 
Em razão disso, atribui-se ao referido bispo, o papel de propulsor da cultura cafeeira em direção ao interior fluminense.
 
A monocultura cafeeira teve sua época áurea no Século XIX, entre 1820 e 1880, provida pela produtividade da região do Vale do Rio Paraíba fluminense, que possuía a maior produção mundial do grão (na frente da produção paulista).
 
Após a morte do bispo, ocorrida em 28 de janeiro de 1805, a fazenda Capão do Bispo passou para o seu sobrinho, Jacinto Mascarenhas Furtado de Mendonça. Depois deste e, ao longo dos anos, a referida fazenda teve diversos proprietários, inclusive, há informações que, posteriormente, parte da área de sua antiga fazenda foi loteada.
 
No final da primeira metade do século XX, a casa-sede do Capão do Bispo foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mais precisamente, em 30 de agosto de 1947.
 
Em 1961, ela foi desapropriada, passando ao antigo governo do Estado da Guanabara, cuja emissão de posse foi datada em 1969.
 
Em situação de abandono, nas décadas de 50 e 60, a casa grande foi invadida por 30 famílias (“sem tetos”), sendo transformada em uma “cabeça de porco” (cortiço), situação que colocou em risco a sua estrutura física e conservação.
 
Na década de 1970, devido às péssimas condições de conservação e os riscos eminentes de desabamento, a propriedade foi desapropriada pela Administração Estadual e, durante dois anos (1973 a 1975), foi realizado um trabalho de restauração, quando o Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB) ocupou a casa, instalando o Centro de Estudos Arqueológicos (CEA) e um Museu, aberto à visitação pública.
 
Hoje, no entanto, a situação é totalmente diferente. Desde que o governo estadual solicitou a devolução do imóvel ao Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), em 2011, a casa-sede do Capão do Bispo se encontra abandonada, sendo corroída com o passar dos anos, em consequência da falta de conservação.
 
As imagens atuais, tiradas no sábado passado (20/09/2014) em comparação a foto publicada no Especial Rio Antigo - Facebook, em 2011, registra muito bem este o agravamento deste processo de deterioração deste patrimônio histórico, que foi e, ainda é, de vital importância no contexto da história da nossa cidade e do próprio estado do Rio de Janeiro.

 
  Imagem extraída do Especial Rio Antigo - Facebook
 
 
  Foto do meu acervo particular
(tiradas em 20/09/2014)


Foto do meu acervo particular
(tiradas em 20/09/2014)




Fontes de Pesquisa
ArqRio

EncontroLatino Americano de Arqueologia

. LIMA, Rachel Gomes de. Contribuição a História da Freguesia de Inhaúma:
Elites, Usos e Formas de Apropriação das Terras, Relações Sociais e Econômicas – Revista Resenha Digital, Instituto Histórico e Geográfico Baixada de Irajá (IHGBI), Ano 1, Nº 2, Janeiro/Fevereiro/Março de 2012, RJ - Disponível em:
http://www.trilhosdorio.com.br/documentos/pdf/81838816-RESENHA-IHGBI-01-02-RES.pdf

. SILVA, Sandro Rodrigues da. A Fazenda do Capão do Bispo: criação e desenvolvimento do subúrbio do Rio de Janeiro. Revista O Arauto Leopoldinense – UNISUAM - Ano II, Nº 4, Outubro de 2008, RJ - Disponível em:
http://historiaunisuam.files.wordpress.com/2011/11/jornal-o-arauto-leopoldinense-nc2ba-4.pdf

Viagem ao Rio Antigo
 

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