Imagem da sede da antiga fazenda Capão do Bispo
(Foto do meu acervo particular)
Toda as vezes que passo na Av. Dom Hélder Câmara (antiga Av.
Suburbana), em Del Castilho, e vejo a antiga casa do Capão do Bispo, meus
pensamentos viajam e divagam no tempo, imaginando a época do Brasil agrário, do
trabalho escravo, dos senhores de engenho, de uma sociedade estritamente
patriarcal, entre outros aspectos históricos que marcaram o nosso país colônia
e império.
Por se encontrar um pouco recuada na referida avenida, a existência da casa grande (sede) da antiga fazenda pode e até passa despercebida por aqueles que trafegam desatentos aos detalhes do bairro.
Por se encontrar um pouco recuada na referida avenida, a existência da casa grande (sede) da antiga fazenda pode e até passa despercebida por aqueles que trafegam desatentos aos detalhes do bairro.
No entanto, a sua arquitetura imponente, sobre uma baixa
colina (20 m), contrastando com a área urbana, de tráfego intenso, contempla a
paisagem por sua preservação em terreno com traços rurais, embora sem nenhuma
singularidade da época áurea de sua produtividade devido ao seu aspecto de total
abandono.
Fora a isso há uma placa informativa bem em frente ao seu
número (n˚ 4616), indicando a sua localização. Observa-se ainda, junto a esta, duas outras placas indicando
o Norte Shopping, mais a frente e o Caminho Imperial.
Fotos do meu acervo particular (ambas tiradas em 20/09/2014)
Pra quem desconhece, o próprio percurso da Av. Dom Hélder
Câmara foi uma via terrestre importantíssima na época (é claro que diferente do traçado atual, em
duas pistas), não só pela mobilidade das pessoas, mas – sobretudo - pelo
escoamento da produção agrícola até o porto de Inhaúma, que se localizava no atual
bairro da Maré (atualmente, inexistente, pois fora aterrado).
Referenciada por várias denominações, trata-se da antiga Estrada
Real de Santa Cruz, sendo reportada também como Caminho dos Jesuítas, Caminho
Imperial, Caminho das Minas e Estrada Imperial de Santa Cruz. Vide a imagem,
onde a mesma é considerada como Caminho Imperial.
Construída na segunda metade do Século XVIII, a casa grande constitui
a sede da antiga fazenda Capão do Bispo, edificada – estrategicamente - no alto
de uma colina baixa (20 m), em área de planície, que na época era caracterizada
por diversos vales, cortados pelos rios Jacaré, Faria e Timbó, os quais eram
utilizados como vias de transportes, segundo registros bibliográficos.
Fotos do meu acervo particular (tirada em 20/09/2014)
O termo “Capão” é uma referência à vegetação nativa, isto é,
à uma “porção de mato isolado no meio do campo” e, “Bispo”, porque a referida
propriedade rural pertencia ao Bispo D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas de
Castelo Branco, o primeiro bispo natural do nosso estado e o sétimo a governar
a Diocese do Rio de Janeiro, exercendo esta função no período de 20/12/1773 a
29/01/1805, ano em que veio a falecer.
Originalmente, a área correspondente à propriedade rural
Capão do Bipo, assim como a extensa área de planície pertenciam a sesmaria
doada por Estácio de Sá aos jesuítas, cuja concessão fora confirmada, em 1565,
pela Corte de Lisboa. Em 1759, as mesmas foram confiscadas pela Coroa
Portuguesa e leiloadas, a partir de 1761, quando um dos compradores foi o Bispo
D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas de Castelo Branco.
Segundo SILVA (2008), a extensão da fazenda Capão do Bispo correspondia,
nos dias de hoje, aos bairros de Del Castilho e Pilares e parte dos bairros de
Higienópolis, Cachambi, Maria da Graça, Abolição e Tomás Coelho.
O referido Bispo, tal como consta em registros
bibliográficos, ainda possuía uma outra propriedade rural, a Quinta de
Sant´Ana, cujo proprietário anterior havia sido João Barbosa Sá Freire.
Ambas, as fazendas faziam parte da Freguesia de São Tiago de
Inhaúma, que foi elevada à esta categoria em 1743, após ser desmembrada da
Freguesia de Irajá. O extenso território da Freguesia de Inhaúma englobava os
seguintes bairros, atuais: Olaria, Ramos, Bonsucesso, Manguinhos, Benfica,
Jacaré, Rocha, Riachuelo, Sampaio, Engenho Novo, Lins de Vasconcelos, Méier,
Cachambi, Maria da Graça, Higienópolis, Del Castilho, Todos os Santos, Engenho
de Dentro, Água Santa, Encantado, Piedade, Quintino de Bocaiúva, Cascadura,
Engenho Leal, Cavalcante, Tomás Coelho, Pilares, Abolição, Engenho da Rainha,
Inhaúma e parte dos bairros do Caju, São Cristóvão, da Mangueira e de São
Francisco Xavier. (SANTOS, 1987 citado por LIMA, em 2011).
Vista aérea da extensão atual da propriedade Capão do Bispo
Imagem obtida por meio do Google Earth
Embora, a minha imaginação levasse à época da escravidão e,
simultaneamente, às lavouras de cana-de-açúcar, a Fazenda do Capão do Bispo foi
um importante núcleo divisor entre dois dos ciclos econômicos que marcaram a
história do Brasil.
Primeiramente, esta vivenciou à época do ciclo da cana de
açúcar, a primeira atividade economicamente organizada em nosso país (século
XVI ao século XVIII), com emprego da mão de obra escrava. Os canaviais que
existiam na atual área do município do Rio de Janeiro se estendiam pelas Zonas
Norte e Oeste. Daí, a origem de topônimos de alguns bairros como Engenho Novo,
Engenho Velho, Engenho da Rainha e Engenho de Dentro, por exemplos.
No Século XVIII, o Rio de Janeiro já se destacava como o terceiro
maior produtor de açúcar do Brasil, sendo superado apenas pela produção do
nordeste, mais especificamente, da Bahia e de Pernambuco, sendo – com isso – o principal
produtor na porção meridional do nosso país.
Há registros que a fazenda Capão do Bispo cultivava, além da
cana de açúcar, alimentos básicos, como a mandioca, milho, feijão, legumes,
arroz, anil, cacau, hortaliças e frutas, bem como pecuária, com criação de gado
bovino.
Posteriormente, esta vivenciou o declínio da produção açucareira
em meio a ascensão de outro produto agrícola, o café, o qual tornar-se-ia
a base econômica da região do Vale do Paraíba, no século XIX. E, notadamente, a
propriedade rural do Capão do Bispo teve uma relevância ímpar neste novo ciclo
econômico.
De acordo com diversas fontes bibliográficas, as sementes ou
mudas de café, procedentes do Maranhão, chegaram à atual cidade do Rio de
Janeiro na segunda metade do Século XVIII, entre 1760 e 1762, pelo chanceler da
Relação, o desembargador João Castelo Branco, iniciando-se na região da Mata da
Tijuca, por volta de 1760.
Segundo Lamego (1948), citado por FRANCISCO et ali (2011),
em 1792, o bispo D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castello Branco
cultivava, em sua propriedade, café da espécie coffea arabica junto com a cana de açúcar. Sendo a sua propriedade
rural considerada um dos principais núcleos disseminadores de mudas de café, as
quais deram suporte para o desenvolvimento da cultura cafeeira em parte do
interior do atual Estado do Rio de Janeiro.
Em razão disso, atribui-se ao referido bispo, o papel de propulsor
da cultura cafeeira em direção ao interior fluminense.
A monocultura cafeeira teve sua época áurea no Século XIX, entre
1820 e 1880, provida pela produtividade da região do Vale do Rio Paraíba
fluminense, que possuía a maior produção mundial do grão (na frente da produção
paulista).
Após a morte do bispo, ocorrida em 28 de janeiro de 1805, a
fazenda Capão do Bispo passou para o seu sobrinho, Jacinto Mascarenhas Furtado
de Mendonça. Depois deste e, ao longo dos anos, a referida fazenda teve
diversos proprietários, inclusive, há informações que, posteriormente, parte da
área de sua antiga fazenda foi loteada.
No final da primeira metade do século XX, a casa-sede do
Capão do Bispo foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), mais precisamente, em 30 de agosto de 1947.
Em 1961, ela foi desapropriada, passando ao antigo governo
do Estado da Guanabara, cuja emissão de posse foi datada em 1969.
Em situação de abandono, nas décadas de 50 e 60, a casa
grande foi invadida por 30 famílias (“sem tetos”), sendo transformada em uma “cabeça
de porco” (cortiço), situação que colocou em risco a sua estrutura física e
conservação.
Na década de 1970, devido às péssimas condições de
conservação e os riscos eminentes de desabamento, a propriedade foi
desapropriada pela Administração Estadual e, durante dois anos (1973 a 1975), foi
realizado um trabalho de restauração, quando o Instituto de Arqueologia
Brasileira (IAB) ocupou a casa, instalando o Centro de Estudos Arqueológicos (CEA)
e um Museu, aberto à visitação pública.
Hoje, no entanto, a situação é totalmente diferente. Desde
que o governo estadual solicitou a devolução do imóvel ao Instituto de
Arqueologia Brasileira (IAB), em 2011, a casa-sede do Capão do Bispo se
encontra abandonada, sendo corroída com o passar dos anos, em consequência da
falta de conservação.
As imagens atuais, tiradas no sábado passado (20/09/2014) em
comparação a foto publicada no Especial Rio Antigo - Facebook, em 2011, registra muito bem este o agravamento deste processo
de deterioração deste patrimônio histórico, que foi e, ainda é, de vital importância no contexto da
história da nossa cidade e do próprio estado do Rio de Janeiro.
Imagem extraída do Especial Rio Antigo - Facebook
Foto do meu acervo particular
(tiradas em 20/09/2014)
Foto do meu acervo particular
(tiradas em 20/09/2014)
Fontes
de Pesquisa
ArqRioEncontroLatino Americano de Arqueologia
. LIMA, Rachel Gomes de. Contribuição a História da Freguesia de Inhaúma:
Elites, Usos e Formas de Apropriação das Terras, Relações Sociais e Econômicas – Revista Resenha Digital, Instituto Histórico e Geográfico Baixada de Irajá (IHGBI), Ano 1, Nº 2, Janeiro/Fevereiro/Março de 2012, RJ -
http://www.trilhosdorio.com.br/documentos/pdf/81838816-RESENHA-IHGBI-01-02-RES.pdf
http://historiaunisuam.files.wordpress.com/2011/11/jornal-o-arauto-leopoldinense-nc2ba-4.pdf
Viagem ao Rio Antigo
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