Texto n°4: Sopão de Plástico. O Mar virou a grande Lixeira do Planeta. Para sumir com todo o lixo, só comendo.
Por Claudia Carmello
Revista Superinteressante Edição Verde - 12/2008
Imagine um prato de sopa à sua frente, daqueles caldos cheios de pedacinhos de legumes diferentes. Só que para cada pedaço de legume boiando há outros 6 pedaços de plástico. Você seria capaz de comer tudo sem mandar para dentro ao menos uma bolinha de plástico bolha? O albatroz e a tartaruga-marinha, que se alimentam de moluscos, medusas e algas no grande sopão dos oceanos do mundo, não conseguem. Comem os alimentos e engolem junto o lixo sólido que flutua no mar. O mais comum é morrerem de desnutrição, com o estômago que, de tão entulhado, fica incapaz de ingerir ou absorver nutrientes.
A cena de uma necropsia no estômago de um albatroz mostrada num vídeo do YouTube é tão contundente que já devia ter virado campanha anti-saquinho de supermercado. Com o bisturi, a bióloga cutuca e tira de dentro do bicho duas mãos cheias de lixo: 5 tampinhas de garrafa, 1 caneta, 1 pedaço de tela e até 1 escova de roupa! São os chamados entulhos marinhos, pedaços de lixos sólidos levados pelas correntes desde a Antártida até a Groenlândia e que vitimaram até agora 267 espécies da fauna marinha, segundo o Greenpeace. Em todo o mar, 60 a 80% desse lixo é plástico. E essa sopa com 6 nacos de sujeira para cada 1 de legume – quer dizer, de zooplâncton – existe de verdade num canto do planeta.
Ela é feita de 3,5 milhões de toneladas de lixo sólido, que se espalha por uma área pouco maior que o estado de Minas Gerais, a meio caminho entre a Califórnia e o Havaí. É o chamado Grande Lixão do Pacífico. Não, ninguém teve a insanidade de despejar conscientemente o entulho lá. Foram as próprias correntes marinhas que carregaram tudo para um tipo de redemoinho, os vórtices, onde eles ficam presos e se concentram cada vez mais. Esses vórtices existem em vários lugares dos oceanos. Mas nenhum é tão entulhado quanto o Grande Lixão.
A descoberta dele, em 1997, pelo cientista Charles Moore, levou os ecologistas a fazer campanhas mais agressivas contra a poluição plástica, em comparação com outras grandes fontes poluidoras dos oceanos, como os vazamentos de petróleo e o despejo de esgoto e de fertilizantes. O problema do plástico é que ele não é biodegradável. Ou seja, a ação da natureza sobre ele não o quebra em elementos simples – como o papel, que se reduz a água e CO2 quando decomposto. Ele só é quebrado pela luz do Sol, muito lentamente (algo como 450 anos para uma garrafinha de água), em pedaços cada vez menores, mas sempre polímeros plásticos.
Ainda não estamos comendo plástico, como os albatrozes. Mas não podemos evitar a ingestão das toxinas do plástico. Um pedaço de plástico tem uma carga tóxica dezenas de milhares de vezes maior que a da água salgada onde bóia. Quando vários deles são ingeridos pelo zooplâncton, a carga suja nessas criaturas aumenta, assim como nos peixes que as comem, nas focas que comem peixes e no urso que come a foca. Estudos feitos na Noruega mostraram que um urso-polar pode ter no organismo contaminação 3 bilhões de vezes mais alta do que a água ao redor dele.
Por conclusões assim, a Suécia, em 1995, começou a recomendar que as mulheres em idade fértil limitassem o consumo de arenque e salmão do Báltico – e olha que arenque e salmão são o feijão com arroz deles. Análises químicas mostraram que eles estavam muito contaminados com substâncias chamadas disruptoras endócrinas. Em peixes, elas causam hermafroditismo. Em humanos, câncer, aumento da próstata e puberdade precoce, entre outros distúrbios.
E, se o oceano virou um enorme lixão, a culpa não é de como ocupamos o mar, mas do que fazemos na terra. O cálculo mais aceito é que 80% da poluição dos mares é produzida no continente. Do esgoto ao sapato largado no bueiro. “O oceano fica num nível mais baixo do que qualquer lugar no planeta. O entulho plástico não vem só da costa, mas dos estados do interior, do escoamento dos rios”, diz o cientista Charles Moore. “O oceano é o destino final de todo o nosso lixo.”
Fonte: http://planetasustentavel.abril.uol.com.br/noticia/lixo/conteudo_411180.shtml
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