sexta-feira, 31 de julho de 2020

Césio-137: Por que pensar em Goiânia se o roubo do densímetro foi no Equador?

Radioatividade - Imagem capturada na Internet
Fonte: Pixabay



Na 4ª feira passada (29/07), uma notícia nos chamou a atenção acerca do roubo de um densímetro no Equador, país da América do Sul. O roubo aconteceu no início da semana, no dia 27 (2ª feira), na capital do país (Quito).

Para quem não conhece a sua utilidade, o densímetro serve para medir a compactação do solo, em outras palavras, é usado para medir a densidade de líquido presente na massa (solo compactado ou não).

O fato ganhou destaque devido aos riscos em que o seu manuseio indevido - por pessoas que desconhecem a sua estrutura interna – possam sofrer, tendo em vista que ele possui, internamente, duas fontes de material radiativo, o Amerício-241 e o Césio-137, ambos com grande poder de emissão de radiação e, consequentemente, de contaminação.

No entanto, além do fato de ambos serem altamente nocivos ao homem, aos animais e ao meio ambiente, a presença do Césio-137 nos fez lembrar de um incidente, ocorrido em Goiânia, em 1987, o qual é considerado o maior acidente radioativo do mundo em área urbana e fora de uma usina nuclear.
  
Para quem desconhece o fato em si, este acidente radioativo ocorreu em nosso país, na cidade de Goiânia, capital de Goiás, no dia 13 de setembro de 1987...

Em setembro de 1987, em busca de sucatas que pudessem ser vendidas e resultar em alguns “trocados”, dois catadores de papel invadiram o antigo Instituto Goiano de Radiologia (IGR), que se encontrava fechado e abandonado. No local havia um aparelho de radioterapia (tratamento de combate ao câncer), no qual tinha - em seu interior – uma cápsula blindada - que continha o Césio 137.

Sem a mínima noção de sua alta perigosidade, eles removeram a cápsula do local e a violaram parcialmente, na tentativa de abri-la, dando início ao processo de contaminação, na cidade, ao sofrerem exposição ao elemento radioativo.

No entanto, a contaminação se propagou de forma mais efetiva, posteriormente, após os mesmos a venderem a um proprietário do ferro-velho, cujos empregados acabaram rompendo – de vez - o lacre da cápsula e deixando exposto o material radioativo (Césio-137) em um local do terreno, junto a outros materiais.

À noite, a intensa luminescência azul provinda do Césio-137, atraiu e fascinou o proprietário do ferro-velho, que o levou para casa. A partir disso, familiares e diversas pessoas, entre vizinhos e conhecidos, tiveram contato com o referido material radioativo, sem saber os reais perigos dos quais estavam e foram expostos.

A catastrófica venda da “sucata” e a paixão do proprietário do ferro-velho por sua luz azul do Césio 137 resultou em quatro óbitos e mais de duzentas pessoas contaminadas por radioatividade, em Goiânia. 

A primeira vítima fatal do Césio – 137 foi uma menina de 6 anos, sobrinha do proprietário do ferro-velho. O nível de contaminação dela foi alto, pois ela colocou pequenos fragmentos deste em sua boca na hora de jantar. Um mês depois, ela veio a óbito.

Leide das Neves, primeira vítima (óbito)
pela contaminação radioativa
Imagem capturada na Internet
Fonte: Correio - Foto: Reprodução

O acidente radioativo de Goiânia envolveu a intervenção da Comissão Brasileira de Energia Nuclear (CNEN), que foi avisada quanto à contaminação sobre a população, atuando também no seu processo de descontaminação.

Retirada do lixo radioativo das áreas contaminadas
Imagem capturada na Internet
Fonte: Poder Goiás 

O estabelecimento do ferro-velho, assim como dezenas de casas dos arredores tiveram de ser demolidos, enquanto muitos componentes domésticos, veículos e outros objetos contaminados foram descartados como lixo radioativo.

A dimensão dos efeitos do desastre radioativo em Goiânia não atingiu apenas os seres humanos, acometendo também animais domésticos, áreas urbanas, o solo, subsolo, construções, ruas, árvores, além da atmosfera.  

A radiação, oficialmente, atingiu uma área de 2.000 m2 não contínuos, infiltrando-se no solo até a profundidade de 50 cm, em alguns pontos, provocando a necessidade da derrubada de árvores e plantas, num raio de 100 m das zonas afetadas. Segundo informações de técnicos  da  Comissão  Nacional  de  Energia  Nuclear  (CNEN)  que  participaram  do processo  de  descontaminação  de  Goiânia,  foram  demolidas  sete  casas  e  gerados 6.500 m3 de rejeitos radioativos, que foram transferidos para um depósito provisório na  cidade  de  Abadia  de  Goiás  onde,  posteriormente,  foi  construído  um  depósito definitivo. De acordo com informações oficiais, quando o fato se tornou público dezesseis dias mais tarde, 249 pessoas já estavam contaminadas ou irradiadas, entre as quais quatro faleceram em menos de um mês contado a partir da divulgação do acidente” (CHAVES,2007:02).

Esse triste acontecimento, ocorrido com a população goiana, acabou sendo relembrado, após a divulgação recente do roubo do densímetro no Equador. Afinal, tal aparelho contém, internamente, duas fontes de material radiativo e, entre eles, o Césio-137.

Se para o profissional que lida, constantemente, com equipamentos radioativos é perigoso, inclusive, até para os seus familiares, a manipulação de materiais deste tipo, por uma pessoa leiga, sem as devidas medidas protetivas, como Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e Equipamentos de proteção coletiva (EPCs) é fadada à contaminação.


Daí o governo equatoriano ter dado o alerta quanto ao referido roubo devido à alta perigosidade em manusear tal equipamento e, também, na tentativa de passar à frente, vendendo a terceiros, leigos, também.

O Ministério de Energia do Equador comunicou ainda que:

O equipamento roubado é ilegal,
não possui valor comercial,
pois trabalhar com ele exige uma autorização
emitida pela SCAN(Notícias R7)

Nota: Subsecretaria de Controle e Aplicações Nucleares (SCAN).

Será que a história do acidente radioativo de Goiânia 
vai se repetir no referido país sul-americano?

Esperamos que a medida do governo equatoriano, em alertar a população acerca do roubo e que este representa quanto o seu alto poder radioativo, surte algum efeito positivo, capaz de barrar uma possível contaminação em pessoas e em um maior número de indivíduos, a fim de que sejam evitados depoimentos similares a este, abaixo, feito pela moradora de Goiânia, Rosa Bento Gonçalves, na época, com 28  anos e grávida de quatro meses, possam ser reproduzidos:
Tenho  medo que  no  final  da história  do césio
meus  filhos  possam  contrair  alguma doença   grave.  
Eu   sinto   que   cada   dia   que   passa 
aparecem coisas   que   nós desconhecemos  
e  sem  explicação  (...) 
Eu  tenho  medo  de  ficarmos  doentes  
e esquecidos  pelo mundo, 
só  queremos  ter  direito  de  viver.” 

Segundo o artigo de CHAVES (2007), a referida moradora foi submetida a uma dose de contaminação de 110 rads (em inglês, Radiation Absorbed Dose ou Dose Absorvida de Radiação) e o seu filho nasceu contaminado com 20 rads.

Em geral, quando o conteúdo do Planejamento Escolar, seja do Ensino Fundamental II e/ou do Ensino Médio consiste nos tópicos “Recursos Minerais Energéticos” e “Meio Ambiente”, eu gosto de exibir um vídeo pertinente ao referido acidente, exibido no antigo Programa Linha Direta (Rede Globo).

Quem tiver interesse em assistir o vídeo sobre o acidente radioativo em Goiânia, clique  AQUI!

Fontes de Consulta
. CHAVES, Elza Guedes. GOIÂNIA É AZUL: O Acidente com o Césio 137 – Revista UFG, 9 (1). 2017

. Material Didático particular;

. SOARES, Wanessa Danielle Barbosa et all. Acidente Radioativo de Goiânia Césio-137 – Núcleo do Conhecimento/ Revista Científica Multidisciplinar - Ano 02, Ed. 01, Vol. 13, pp. 434-440, 2017.

Nenhum comentário:

Postar um comentário