segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Pandemia Global: O desafio entre se proteger do inimigo invisível e o de conviver com o inimigo visível

Imagem capturada na Internet
Pôster Russo
Fonte: Politize! 
 Foto de Alex Ferreira 

Embora, agosto esteja findando hoje (31/08), o tema - em questão - não se restringe apenas a este mês, nem a nível de discussão quanto à legislação e, muito menos e infelizmente, aos atos que justificam a necessidade desta e de outras no âmbito de conter a sua ocorrência e recorrência em nossa sociedade.

No início deste mês comemorou-se 14 anos da aprovação da Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei nº 11.340), mais conhecida popularmente como Lei Maria da Penhamas não houve e nem há muito o que se festejar, pois dados recentes mostram que está havendo, em plena Pandemia da Covid-19, um aumento dos números de casos tanto de violência doméstica quanto de Feminicídio no Brasil.

Infelizmente, temos que concordar que a naturalização e a banalização atribuída à violência contra o gênero feminino são comuns em todos os meios sociais, mesmo tendo amparo legal das leis em nosso país.

A Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei nº 11.340) foi aprovada no dia 07 de agosto de 2006, mas ela entrou em vigor no mês seguinte, em 22 de setembro.

Para saber mais sobre o contexto histórico que permeia a criação desta Lei, vocês podem rever na postagem publicada, anteriormente, AQUI

Por recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI), em virtude dos elevados números de assassinatos de mulheres, tanto no âmbito familiar quanto na fora deste, no dia 09 de março de 2015, foi criada a Lei do Feminicídio (Lei n° 13.104).

A Lei do Feminicídio alterou tanto o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), ao colocar o referido crime (homicídio) na circunstância de qualificado, quanto à Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) ao incluí-lo no âmbito dos crimes considerados mais graves.

Tratados com mais rigor, com penalidades mais duras, a Lei do Feminicídio é considerada um marco na luta contra a violência contra a mulher. Enquanto a pena de um crime de homicídio simples varia de seis meses a 20 anos de prisão, no caso de um homicídio qualificado, a penalidade pode variar de 12 a 30 anos de prisão.

De acordo com o Dr. Rafael Rocha (Jusbrasil), o conceito de Feminicídio pode ser considerado como “íntimo” e “não íntimo”.


Feminicídio íntimo subentende-se que o crime de homicídio foi cometido por uma pessoa que mantinha ou teve algum relacionamento com a vítima (mulher), podendo ser este de caráter familiar, de convivência, íntimo ou afins.

Já o Feminicídio não íntimo, não há nenhuma relação de afetividade entre as partes (agressor x vítima), isto é, o assassinato foi praticado por alguém que desconhecia a vítima e que demonstra total menosprezo à sua condição de mulher (gênero).

Antes destas legislações específicas (Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio), em 17 de junho de 2004, a Lei nº 10.886 alterou o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848), com o acréscimo de dois parágrafos (9° e 10°) ao seu Artigo 129 (Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem), os quais tipificam o crime de violência doméstica.

§ 9º “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido,  
ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, 
de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano..”

Vale ressaltar, no entanto, que o crime de violência familiar por lesão corporal, tal como expressa a referida Lei, neste Artigo e parágrafo (§ 9), não é específica exclusivamente à mulher, ou seja, ela abrange qualquer pessoa, independente do gênero, mas, com a ressalva que o agressor deve ter algum vínculo com a vítima, seja este familiar ou por estar morando junto ou por ser hóspede.  

No Brasil, o problema da violência contra a mulher, doméstica ou não, é uma questão culturalfruto histórico da nossa estrutura e organização familiar, patriarcal e machistaas quais serviram de suporte também para a formalização das desigualdades de gêneros.

Suas raízes culturais, a vulnerabilidade em potencial enquanto mulher em uma sociedade machista e, na maioria das vezes, o descaso frente aos altos índices de violência contra a mulher fizeram e fazem história em nosso país. Infelizmente, temos que concordar que a naturalização e a banalização atribuída à violência contra o gênero feminino são comuns em todos os meios sociais, mesmo tendo amparo legal das leis em nosso país.

Só para se ter uma ideia de sua gravidade, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, a cada dois minutos, um Boletim de Ocorrência era registrado em alguma delegacia do país, com o propósito de denunciar casos de violência doméstica.

O pior é que, em muitas situações, a violência doméstica é mantida de forma silenciosa, preferindo a vítima omitir o episódio por medo do seu agressor ou vergonha por sua condição de vítima, não o denunciando às autoridades competentes.

Um fato recente e em curso, no entanto, vem preocupando muito as autoridades e os especialistas. Se, por um lado, as medidas protetivas de isolamento social e de quarentena - constituídas neste momento da pandemia da Covid-19 - contribuíram e contribuem para proteção pessoal, coletiva e para a redução do avanço da propagação do Novo Coronavírus, elas também colaboraram e colaboram para o aumento da violência doméstica em razão do confinamento de ambos os protagonistas, o agressor e a vítima no mesmo espaço e por  um período de tempo maior e contínuo.

Este aumento da violência doméstica não foi constatado apenas no Brasil, mas também em outros países do mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

O estresse ou o sentimento de enfadado, consequentes do afastamento do convívio social, do contato físico com o mundo exterior podem também desencadear, direta e/ou indiretamente, a um comportamento hostil entre alguns membros da família, mesmo sob uma relação caracterizada, até então, pela tolerância.

As possibilidades de o comportamento se alterar e evoluir de uma simples discussão para uma agressão física... Não precisaria de muito...

Ainda mais, se essas relações são maculadas pela violência habitual, seja por ofensas, humilhações, lesões corporais, riscos de vida, entre tantos outros tipos.

“O isolamento social, ao impor que as pessoas fiquem
o maior tempo possível dentro de suas casas,
exige o aumento da atenção voltada às vítimas de violências
que tendem a ocorrer no âmbito privado,
como a violência de gênero.”

Hoje, tem-se um grande desafio... 

Além das mulheres que sofrem caladasem silêncio, os diferentes tipos de violência doméstica (física, psicológica, sexual, moral e patrimonial), o espaço externo - sob um cenário de “guerra” ao inimigo invisível (Novo Coronavírus) - as leva a tomar uma decisão tanto quanto arriscada e frequente, a de enfrentamento do inimigo visível (seu agressor) no âmbito de sua residência, que deveria ser o local mais seguro a sua integridade física e mental.

Daí a razão do título deste post, “Pandemia Global: O desafio entre se proteger do inimigo invisível e o de conviver com o inimigo visível”, isto é, chamar a atenção das circunstâncias críticas e de riscos duplos, por quais as mulheres (vítimas) estão sendo submetidas, em face da Pandemia da Covid-19.

Os resultados desta situação já aparecem em diversos levantamentos e estudos quanto ao aumento dos registros de violência doméstica contra a mulher e de casos de Feminicídio.

Os Levantamentos também apontam que o número de registros de violência doméstica não é condizente com a realidade. De acordo com as autoridades e especialistas, se antes já ocorria a subnotificação de casos de violência doméstica, o que esperar na atual conjuntura da pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19)com a vigência das medidas de isolamento social e de quarentena?

Artigos publicados este ano (2020), comprovam que, embora o registro de Boletins de Ocorrência de violência doméstica contra a mulher feito – de forma presencial pelas vítimas – nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) tenha apresentado uma redução considerável, o número de denúncias por meio do serviço “Ligue 180” (Central de Atendimento à Mulher) ou para o 190 (número de Emergência da Polícia Militar) aumentaram, durante a Pandemia.

redução dos registros realizados pessoalmente pode decorrer do fato de que muitas vítimas não estão se arriscando a sair de casa por “seguir ao pé da letra” as medidas protetivas em relação à Pandemia ou por apresentar alguma doença crônica pré-existente (hipertensão, diabetes, obesidade etc.), que as coloquem em situação de maior gravidade, inclusive, até de risco de morte, no caso de serem contaminadas e pegarem a Covid-19 ou, ainda, por medo da reação do agressor ao tomar conhecimento de suas intenções ou de que ela protocolou a denúncia.

Em consequência desta situação configurada foi criado - em caráter emergencial - pela Secretaria de Segurança Pública - o serviço de registro de Boletins de Ocorrência eletrônicos (on line/Internet) voltado para Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, cujas informações prestadas são mantidas em sigilo. Só que nem todas Delegacias Virtuais oferecem este tipo de serviço específico, ou seja, voltado para a mulhervítima da violência doméstica

Até aonde eu pesquisei e tomei conhecimento, os registros em Boletim de Ocorrência Eletrônico para casos de denúncia voltados para Lei Maria da Penha estão disponibilizados nas seguintes Unidades Federativas: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e o Distrito Federal

O ideal seria que todas as 27 Unidades Federativas do Brasil (26 estados e o Distrito Federal) oferecessem o serviço de denúncia da violência doméstica contra a mulher em todas as Delegacias Virtuais, possibilitando que a mulher denunciasse, cada vez mais, ao ponto de termos uma estatística mais próxima da realidade de nossa sociedade.

Isso seria de fundamental importância neste contexto de violência doméstica contra a mulher. Segundo o Delegado-Geral, Marcelo Vargas,

“É mais um instrumento para pedir ajuda e denunciar sem sair de casa: na palma da mão, no telefone celular com acesso à internet e de forma silenciosa, a mulher pode fazer a denúncia sem despertar a desconfiança de seu agressor; se qualquer outra pessoa tiver conhecimento da violência, pode usar o canal para denunciar, escolhendo se prefere se identificar ou fazer anonimamente. Uma vez enviada a denúncia, a delegacia responsável receberá via email e tomará as devidas providências”

Os RelatóriosViolência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19 (1ª Edição) e Violência contra Meninas e Mulheres durante a Pandemia de Covid-19” (2ª Edição), ambos elaborados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apresentam dados de março e abril de 2019 e de 2020, de acordo com as informações obtidas pelos órgãos de segurança dos 12 estados brasileiros analisados. Esse levantamento foi realizado em dois momentos distintos, cada um por um grupo de Unidades Federativas.

1ª Edição publicada em abril do ano em curso, apresentou dados dos seguintes estados: AcreMato GrossoParáRio Grande do NorteRio Grande do Sul e São Paulo. Enquanto que a 2ª Edição, publicada no início de junho, englobou mais seis Unidades da Federação (AmapáEspírito Santo, CearáMaranhão, Minas Gerais e Rio de Janeiro), totalizando a cobertura de seus levantamentos em 12 Unidades Federativas.

A 2ª Edição expõe dados mais recentes acerca de Feminicídio, lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica, estupro e estupro de vulnerável e ameaça. 

A 1ª Edição publicada em abril do ano em curso, apresentou dados dos seguintes estados: Acre, Mato Grosso, Pará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.



Enquanto que, a 2ª Edição, publicada no início de junho, englobou mais seis Unidades da Federação (Amapá, Espírito Santo, Ceará, Maranhão, Minas Gerais e Rio de Janeiro), totalizando assim em 12 Unidades Federativas em seu levantamento. Esta Edição expõe dados mais recentes acerca de Feminicídio, lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica, estupro e estupro de vulnerável e ameaça. 


De acordo com os levantamentos apresentados, os casos de Feminicídio no Brasil subiram de 117 para 143, no período de março e abril, nos doze dos vinte e seis estados da Federação, o que corresponde a um aumento de 22,2%, em comparação ao ano passado, enquanto os homicídios de mulheres tiveram um aumento de 6%.

Segundo o relatório (1ª Edição), comparando os meses de março de 2019 e de 2020, os casos de Feminicídio registrados nos seis estados analisados, inicialmente, Mato Grosso foi o que apresentou o maior aumento (400%), seguido por Rio Grande do Norte (300%), Acre (100%) e São Paulo (46%).

O Portal do Senado também divulgou dados referentes ao aumento da violência doméstica e de feminicídio, assim como inúmeras fontes na Internet. Para obter maiores informações acerca destes Relatórios do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), acesse o link disponibilizado abaixo de cada imagem dos mesmos.

Com relação às denúncias realizadas por meio do “Ligue 180”, ainda em março (início da quarentena), houve um aumento de 17,9% em comparação com o mesmo período de 2019. Em abril, já com as medidas protetivas de isolamento social e de quarentena, decretadas em todo o território nacional, o aumento foi de 37,6% em relação ao mês de abril do ano passado.


Imagem capturada na Internet

As denúncias atendidas pela Central de Emergência da Polícia Militar (190), comparando o período de março e abril de 2019 e 2020, apresentaram também um aumento de ligações nas seguintes Unidades Federativas: São Paulo (variação de 6.775 para 9.817), Acre (variação de 752 para 920) e Rio Janeiro (variação de 15.386 para 15.920).

Os números verificados nestes levantamentos apontam que a violência doméstica contra a mulher aumentou, neste período da Pandemia da Covid-19, sendo que as denúncias feitas através dos telefones 180 e 190 foram as opções consideradas mais seguras – pelas vítimas - para registrá-las, assim como - em certas capitais – o uso de outros canais on line, como o Boletim de Ocorrência Eletrônico.

Na atual conjuntura, o principal desafio de muitas mulheres, em nossa sociedade, é viver confinada em casa para uma melhor proteção contra o inimigo invisível, o Novo Coronavírus e, ao mesmo tempo, enfrentar um relacionamento abusivo marcado pela violência com o seu inimigo visível, o seu agressor, que pode ser o seu cônjuge, companheiro, pai, filho e outros.

Eu desconheço dados mais atualizados, mas até, recentemente, o Brasil ocupava a 5ª posição no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos (ACNUDH), ficando atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Trata-se de uma colocação lamentável no cenário mundial e que comprova o quanto precisamos mudar os nossos conceitos, valorizando e respeitando a mulher enquanto cidadã, com direitos e deveres a cumprir.


Fontes de Pesquisa



. A pandemia e a violência doméstica – Jornal doBrasil


. A violência contra mulher e a aplicação da Lei Maria da Penha e do Feminicídio – Âmbito Jurídico

. Casos de Feminicídio crescem 22% em 12 estados durante pandemia – Agência Brasil

. Lei Maria da Penha: subnotificações escondem número real da violência – Agência Brasil

. Nos 16 anos da lei contra violência doméstica, Congresso reforça proteção à mulher - Agência Senado

. Violência contra a mulher em tempos de pandemia – Governo do Estado do Mato Grosso do Sul

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