Todo ano é a mesma coisa...
“Se a vontade social é formadora da quase inexistente
vontade política ambiental,
há que se investir com criatividade
no processo de tomada de
consciência,
mediante forte dramatização, atraindo a atenção da mídia,
menos para reafirmar o que já foi exaustivamente denunciado,
e mais para destacar o insubstituível papel da mídia
na
formação da vontade social.
Quanto mais for possível acelerar o processo
de transformação comportamental com relação ao meio ambiente,
menor será o lamento,
quando vierem a ocorrer as catástrofes engatilhadas,
por não terem sido evitadas a tempo.”
ZULAUF (2000)
Realmente, entra ano, sai ano e nada muda... Nem mesmo as legislações ambientais vigentes são capazes de atenuar as práticas humanas, criminosas, em relação aos desmatamentos, queimadas e incêndios florestais em nossas matas nativas... É cíclico...
E, pode-se dizer que, transcorridos 20 anos, desde que as palavras em epígrafe foram proferidas pelo engenheiro e sanitarista, Werner Eugênio Zulauf (falecido em 2003), nem mesmo os mais conscientes e nem o poder de persuasão das mídias conseguiu mudar ou “acelerar o processo de transformação comportamental com relação ao meio ambiente”. Sem dúvida alguma, um embate muito difícil, marcado por interesses e poderes desiguais, incapaz de chegar a um consenso a fim de equacionar ou, ao menos mitigar, as questões ambientais conflitantes em nosso país.
Desde o início da chamada “temporada” das queimadas e dos incêndios florestais, maio e junho, as mídias exibem imagens preocupantes de queima e de cenários desoladores, onde “o fogo arde por queimar” em decorrência de ações antrópicas ilegais, totalmente descabíveis não apenas pelos danos irreversíveis à cobertura vegetal ou pela emissão de gases poluentes à atmosfera, mas – entre outros aspectos - com as vidas que ali existem e sobrevivem. Vidas que existem e são afetadas ali, localmente, regionalmente ou até para além de suas fronteiras políticas...
No entanto, a ordem de ideias e de práticas em nossa cultura sempre foram baseadas em um conjunto de valores dissociativos: o homem como o sujeito, o grande dominador e senhor da natureza e esta, por sua vez, como recurso a ser explorado e espoliado pelo mesmo, à revelia de suas características funcionais inerentes. E, ao longo dos séculos, com o progresso da ciência e das tecnologias, o domínio humano sobre esta e em seus recursos naturais passou a adquirir maior expressividade, desencadeando e acelerando diversos processos antropogênicos de degradação ambiental em detrimento à concepção de unicidade e de interdependência existente entre os seus elementos em sua dinâmica (SILVA, no prelo).
Considerando tanto o bioma quanto o ecossistema em si (conceitos distintos), devemos ter em mente que cada um responde por uma dinâmica única de acordo com as suas singularidades e que as intervenções antrópicas nunca levaram em consideração suas respectivas características, executando-as à revelia das mesmas, causando graves impactos ambientais, muitos dos quais de caráter irreversível.
O cerrado, por exemplo, como foi mencionado em postagem anterior, é um dos dois hotspots brasileiros (o outro é a Mata Atlântica), que apesar de possuir plantas e animais adaptados para o enfrentamento das queimadas, se encontra em processo acelerado de degradação ambiental, estando a sua biodiversidade ameaçada de extinção.
No cerrado, o uso do fogo é uma estratégia técnica que, a médio prazo, pode gerar resultados ecológicos. Muitas plantas típicas (endêmicas) do cerrado têm como característica natural suportar fogo de intensidade baixa ou moderada, inclusive, como afirma PIVELLO (2009), “o fogo é benéfico e estimula ou facilita diversas etapas de seu ciclo de vida”. E completa:
“A distribuição esparsa das árvores e dos elementos lenhosos,
que caracteriza as savanas, permite a chegada de insolação no nível do solo e
promove o desenvolvimento de farto estrato herbáceo, formando um
"tapete" graminoso. Devido ao seu ciclo de vida, essas gramíneas têm
suas folhas e partes florais dessecadas na época seca – que, na região dos
cerrados, geralmente vai de maio a setembro. Esse material fino e seco passa a
constituir um combustível altamente inflamável. Raios e também chamas e faíscas
provenientes de ações do homem (queima de restos agrícolas, fogueiras, etc.)
podem iniciar a combustão da vegetação e, a partir de então, o fogo se propaga
rapidamente.”
PIVELLO (op.cit.) ainda destaca sobre a diferença do manejo correto do fogo pelos povos indígenas e daquele totalmente inadequado realizado pelos agricultores e pecuaristas na região. A sabedoria e as experiências dos primeiros permitem que o fogo seja controlado e benéfico sob diversas maneiras para a comunidade e para o meio ambiente (para os animais e recuperação da mata, por exemplo). Por sua vez, com o uso do fogo por parte dos agricultores e pecuaristas, em geral, verificou-se um aumento em sua frequência e na escala das áreas queimadas, gerando, consequentemente, a degradação ambiental.
E, infelizmente, foi isso que foi visto nas reportagens e nos registros de queimadas do INPE. O que foi marcante na região foi o mau uso do fogo, o ilegal, sem controle e acompanhamento de um órgão ambiental. É o que sempre acontece! Como eu mesma quis ressaltar em todas as epígrafes das postagens, “Todo ano é a mesma coisa...”
PANTANAL
Da mesma forma foi o “mau uso do fogo” verificado e dominante, sobretudo, no Pantanal e na Amazônia, completando o ranking dos biomas mais afetados e em situação crítica por causa das queimadas ilegais, de proporções e intensidades gigantescas.
O Pantanal, em razão de seu relevo mais ou menos plano (planície), com altitudes médias de 100 metros e caracterizado, também, por cheias sazonais (áreas de inundação), tem como principal atividade econômica a pecuária bovina (gado de corte) que, por ocasião do período das chuvas e, consequentemente, das cheias, o gado é deslocado para áreas mais elevadas, onde possa estar seguro quanto ao risco de inundações.
Vale lembrar que a economia pantaneira também é baseada na pesca e no turismo (ecoturismo) e, em áreas bem menores, com a agricultura.
A pecuária cobre 75% das áreas
desmatadas, no Pantanal, daí esta ser uma das principais causas das
queimadas na região. Outro aspecto a se destacar é que a pecuária acaba impulsionando
a monocultura de grãos, como a soja e o milho, para a produção de ração animal
(ISLER, 2020).
E, os especialistas advertem que, nos últimos anos, o número de gado bovino aumentou muito no Pantanal. Não devemos esquecer que este foi o bioma campeão em aumento de número de queimadas e incêndios florestais, em 2020, sendo este considerado o pior ano de sua história em relação à queima.
No início deste mês (09/10), a ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias (engenheira agrônoma e empresária), natural de Campo Grande (capital de Mato Grosso do Sul), defendeu a tese de que, como medida preventiva aos incêndios que assolam o referido bioma, o correto seria aumentar o número de gado na região. Na sua concepção, as queimadas seriam menos intensas e menos frequentes pelo simples fato de que quanto mais gado houver maior será o consumo de capim, sabendo que este, quando seco, se transforma em combustível vital para o início dos incêndios, seja no pantanal ou em qualquer outro bioma.
De acordo com a reportagem da BBC News Brasil, publicada em Estado de Minas Nacional, mesmo sob críticas em cima de sua tese acerca do chamado “boi bombeiro”, a ministra não ficou isolada em suas ideias, tendo o apoio do presidente da República e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles.
No entanto, especialistas discordam e afirmam que, mesmo que o consumo do capim pelo gado assegure a redução da intensidade dos incêndios, o fator principal é justamente o uso do fogo, tendo em vista que o manejo do pasto é feito de acordo com a técnica da queima. Sendo assim, a dedução é clara, “quanto mais gado, mais fogo”.
Na verdade, vários fatores explicam essa situação crítica pela qual o Pantanal está passando, estiagem severa e prolongada, aumento no número de gado bovino e, consequentemente, aumento das queimadas e do descontrole destas, provocando e propagando incêndios.
Segundo Tasso Azevedo, engenheiro florestal e coordenador do projeto Mapbiomas, outro aspecto a considerar é a substituição da pastagem natural pela plantada, com espécies de fora, que não apresentam o mesmo comportamento mediante à queima, como acontece com as pastagens naturais. Ambas não apresentam a mesma dinâmica em relação ao fogo.
De acordo com Vinícius Silgueiro, coordenador de inteligência
territorial do Instituto Centro de Vida (ICV),
"...
a área de pastagem exótica cresceu 64% sobre áreas naturais,
passando
de 1,4 milhões de hectares, para 2,3 milhões de hectares.
Nesse
mesmo período, o rebanho de bovinos no Pantanal aumentou 38%,
de 6,9 milhões para 9,58 milhões de cabeças".
E, mais uma vez, o manejo inadequado da atividade (pecuária) também foi citado como um dos motivos deste quadro de destruição no bioma.
O biólogo André Luiz Siqueira considera o clima como principal fator determinante para as queimadas, o qual exerce influência direta sobre o ciclo hidrológico da região, destacando que esta foi a pior estiagem em 60 anos na região.
"O principal regulador de desmatamento e queimadas no Pantanal (...)
sempre foi a água. Sempre foi o ciclo hidrológico.
É a maior zona inundável permanente do mundo"
Concordo com o biólogo André Luiz, tendo em vista que os elementos atmosféricos, como temperatura, a baixa umidade do ar e os ventos, interferem diretamente sobre a dinâmica ambiental, só havendo a ação do fogo sobre a queima se a vegetação estiver seca e, em situação de estiagem severa e prolongada, a propagação do fogo será bem intensa e estendida, Daí a estação seca do inverno ser a mais recorrente aos altos registros de queimadas e incêndios florestais no país.
Mas, a um nível de abrangência mais ampla, eu também considero significativos outros aspectos que se encontram interligados e completam o quadro apresentado, como a grande quantidade de biomassa seca (combustível), a técnica da queimada nas práticas agrícolas (agricultura e pastagens), as queimas ilegais, a expansão do agronegócio com as novas fronteiras agrícolas e, também, as ações criminosas e negligentes.
Sem a prática da queima, o cenário seria outro. Desolador, não
restam dúvidas, por causa da seca provocada pela estiagem, da falta de pastagens
naturais para alimentar o gado, pela visível redução dos níveis de águas
superficiais, pelos prejuízos nos cultivos, entre outros... Mas, sob o efeito do fogo, a desolação é bem
maior e o fogo ilegal é devastador!
AMAZÔNIA
Com relação à Amazônia, a maior floresta equatorial do mundo, a situação só é diferente porque esta é mais agravante...
Ela desempenha várias funções fundamentais para a dinâmica ambiental, ao ponto de a sua degradação ou extinção, ser capaz de impactar seriamente o equilíbrio ecológico não só a nível regional, como nacional e global. Por mais impossível que possa parecer!
Não estou me referindo à antiga tese da floresta Amazônica ser o “pulmão do mundo”, porque isso já foi exaustivamente explicado que ela não é, pois o estágio em que a floresta se encontra (em equilíbrio/clímax), grande parte do oxigênio produzido é consumido por ela mesma.
Os verdadeiros “pulmões do mundo” são as algas marinhas, nos oceanos, pois estas têm “saldo positivo” de oxigênio, o que permite a sua liberação para o meio ambiente. Em razão da fotossíntese, as algas marinhas produzem mais oxigênio do que necessitam e, por isso, liberam o excesso.
No entanto, a floresta Amazônica adquire a importância no que se refere ao processo de “sequestro ou captura de carbono”, isto é, a sua capacidade de absorção de gás carbônico ou dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. E, como é de conhecimento geral, o CO2 consiste em um dos principais gases de efeito estufa, responsável pelo agravamento do fenômeno de aquecimento global.
Assim sendo, a Amazônia desempenha, tal como os oceanos, o papel de “sumidouro de carbono”, isto é, sua capacidade de absorção de CO2 é maior que a de emissão do mesmo para a atmosfera. Se esta relação fosse ao contrário, ou seja, a emissão de CO2 fosse maior que a absorção, a floresta passaria a ser fonte de carbono.
Entretanto, é isso que está acontecendo com a floresta Amazônica... Ela está perdendo, aos poucos, essa função de “sumidouro” e assumindo o papel de “fonte” emissora de carbono para a atmosfera.
Isso já vinha sendo alertado, há tempo, por muitos pesquisadores e especialistas em face da vulnerabilidade do ciclo às ameaças antrópicas quanto aos processos de degradação ou extinção da cobertura florestal na região. O que é muito preocupante!
Aumento de CO2 na atmosfera = agravamento do Aquecimento
Global.
De acordo com um artigo publicado na Revista Pesquisa FAPESP (Edição n° 287, janeiro 2020), os resultados preliminares de um amplo estudo internacional, coordenado por brasileiros, baseados no balanço de carbono da floresta Amazônica, realizado em um período de 8 anos (2010 a 2017), revelaram que a mesma liberou mais carbono para a atmosfera do que o capturou do ar. O que implica dizer que a floresta Amazônica, no período analisado, funcionou como fonte de carbono para o meio ambiente.
Esse estudo foi apresentado em um Encontro da Sociedade Geofísica Americana (AGU), em dezembro de 2019, em São Francisco (Califórnia/EUA), mas segundo o mesmo (op.cit.), os resultados da pesquisa ainda serão detalhados em artigo e, posteriormente, submetido a uma revista científica.
O balanço de carbono foi calculado a partir de medições realizadas em 513 perfis verticais da atmosfera (para saber mais a respeito acesse o link de acesso/Fonte).
Segundo a química Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa (LaGEE), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e principal responsável pelas respectivas medições atmosféricas realizadas neste estudo,
“Os anos de fortes
estiagens sabidamente diminuem a capacidade
de a floresta retirar
dióxido de carbono da atmosfera e
favorecem um aumento significativo nas emissões desse gás.”
Chegou-se à conclusão que os principais fatores que levaram a floresta Amazônica a se transformar em uma fonte emissora de carbono, no período da pesquisa, foram o elevado número de árvores mortas em decorrência de estiagem muito rigorosa e prolongada e, sobretudo, do avanço das queimadas, pois em ambas as situações ocorre a liberação para a atmosfera do carbono armazenado na vegetação.
Sob essa perspectiva, pode-se imaginar os efeitos negativos diretos das queimas e da estiagem severa, deste ano, sobre o balanço de carbono da floresta.
O pior é a certeza que, dificilmente, os desmatamentos e as queimas ilegais, criminosas vão cessar em nosso país. Se estas atividades continuarem, sob o mesmo ritmo crescente, em um curto espaço de tempo, a vegetação arbórea da floresta se tornará rarefeita na região, sendo substituída por uma paisagem similar ao nosso cerrado (savana).
A respeito destes dois problemas, o cientista brasileiro Carlos Nobre, climatologista e diretor de pesquisa da Academia Brasileira de Ciências, durante o seu pronunciamento no Fórum Econômico de Davos (Suíça), em janeiro deste ano, chamou a atenção justamente sobre essa questão da floresta passar da categoria de sumidouro para fonte de carbono, bem como as consequências negativas para o próprio bioma quanto ao ritmo acelerado dos desmatamentos e dos incêndios florestais.
“Sem uma ação imediata
para interromper o desmatamento e
começar a
substituir as árvores perdidas,
metade de
toda a floresta amazônica
pode se transformar em savana dentro de 15 anos.” .
Como o próprio já havia alertado em outras ocasiões, a parte sul da Amazônia se encontra muito degradada, por conta dos incessantes desmatamentos e dos incêndios florestais, sujeita ao processo de savanização. E essa relação com o ciclo do carbono é bastante diferenciada se comparada as duas paisagens (florestas x savanas). Enquanto uma floresta intacta, preservada, mantém a sua capacidade de absorver o gás carbônico da atmosfera (sequestro ou captura de carbono), a savana retira bem menos.
O mesmo pode-se dizer da floresta degradada, pois esta vai,
gradativamente, perdendo essa capacidade de absorção, passando a ser fonte emissora
de CO2.
Outra função ambiental também muito importante desempenhada pela floresta Amazônica relaciona-se ao ciclo hidrológico e às condições climáticas, de efeito direto no regime pluvial (precipitação e distribuição) a nível local (região Norte), nacional (outras regiões brasileiras) e transnacional (alguns países da América do Sul).
Função esta, igualmente, sob fortes ameaças mediante aos constantes desmatamentos, queimadas e incêndios florestais registrados na região, todo ano, capazes de provocar mudanças drásticas em seu padrão de comportamento.
Só para se ter uma ideia de um dos “serviços ambientais” da
Amazônia, como alguns pesquisadores fazem questão de realçar o seu relevante papel
na dinâmica do meio ambiente, a umidade da floresta Amazônica exerce forte influência
na agricultura de outras áreas do Brasil, contribuindo a transformar as regiões
Centro Oeste, Sul e Sudeste no celeiro agrícola do país (Projeto Expedição RiosVoadores, s.d).
Refiro-me aos chamados “rios voadores” (ou “rios aéreos” ou, ainda, “rios atmosféricos”), que são massas de ar carregadas de vapor de água (massas úmidas), formadas no oceano Atlântico e que são trazidas pelos ventos alísios para o interior da região Amazônica, onde são responsáveis pelas chuvas na floresta e, também, por absorver a umidade desta a partir da evapotranspiração das árvores e a transpiração das plantas, continuando o seu percurso até atingir a região centro-sul do país, influenciando no regime pluvial e nas condições climáticas dessas áreas e até de outros países sul-americanos.
Foi devido a esse seu deslocamento no território nacional que o
fenômeno recebeu a respectiva denominação, “Rios Voadores”. De acordo com Projeto
Expedição Rios Voadores, essa expressão passou a ser difundida no país, na
década de 90 (Século XX), graças ao climatologista e meteorologista José
Antonio Marengo Orsini (José Marengo), na época, pesquisador do Centro de
Previsão de Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC/INPE. A partir de 2007, o termo foi
amplamente divulgado através do “Projeto Rios Voadores”.
A dinâmica de funcionamento dos chamados “rios voadores” (massas de ar úmidas, carregadas de vapor de água) começa a partir da evaporação das águas do oceano Atlântico (ponto de origem da massa), próximo à linha do Equador. Impulsionadas pelos ventos alísios, no sentido leste-oeste, essas massas de ar adentram para o interior da região Amazônica. Com as temperaturas elevadas, típicas da região (baixas latitudes), o vapor de água se eleva, condensa-se, formando nuvens e, em sequência, precipita-se sob a forma de chuva, caindo sobre as árvores.
A floresta, por sua vez, por meio da evapotranspiração, ou seja, através da evaporação das águas das chuvas acumuladas nas copas das árvores e, também, da transpiração dos vegetais, as devolve para atmosfera, sob a forma de vapor de água, realimentando as massas de ar (rios voadores) que prosseguem o seu caminho na direção oeste.
Mais adiante, o processo da precipitação pluvial se repete quando
estas encontram com a Cordilheira dos Andes, que surge como um grande obstáculo
(barreira natural) em seus caminhos. Parte do ar se eleva, condensa e
precipita-se sob a forma de chuva, formando as cabeceiras do rio Amazonas e de outros,
enquanto a outra parte – por conta da cordilheira andina – se redireciona para direção
Centro-Sul, atingindo as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do nosso país, além
de alguns países sul-americanos vizinhos.
Diante do exposto fica evidenciado que sua dinâmica é ampla, sendo o papel da floresta primordial neste processo, pois as árvores contribuem com a evapotranspiração que realimenta a umidade dos “rios voadores” que são fundamentais para o controle das temperaturas e distribuição das águas no país.
“(...) Ou seja, a Amazônia é um sistema de refrigeração para país nenhum
botar
defeito, funcionando como uma bomba d’água de proporções gigantescas.
Tudo isso
graças à poderosa evapotranspiração das plantas e
à
condensação da água nas nuvens, produzindo chuvas copiosas e
propelindo os rios voadores, fazendo rodar o ciclo hidrológico (...).”
De acordo com o Projeto Expedição Rio Voadores, em um único dia, uma árvore de grande porte da floresta Amazônica
chega a bombear, do solo para a atmosfera, a quantidade que varia de 300 a mais
de 1.000 litros de água. Exemplificando, segundo o mesmo, uma árvore com 10
metros de diâmetro de copa é capaz de lançar, em um só dia, 300 litros de água para
a atmosfera, enquanto, na mesma situação, uma árvore mais frondosa, com o dobro
de metragem de copa (20 m) tem a capacidade de projetar para a atmosfera mais
de 1.100 litros.
Outro aspecto a se destacar sobre a importância da floresta “em pé” (não tombada) e do seu papel na dinâmica ambiental diz respeito à conservação dos solos ao ponto de ser evitado a sua degradação e, consequentemente, o seu empobrecimento.
Em função da predominância de climas quentes e úmidos (equatorial e tropical)
em nosso país, em geral, os solos são mais frágeis em razão dos altos índices de pluviométricos (chuvas), mas em razão do “equilíbrio ambiental”
existente, a floresta Amazônica, densa, fechada e estratificada (comporta
diferentes estratos ricos em biodiversidade), assegura
a conservação do solo, o que é essencial a fim de mantê-lo, tendo em
vista que a maior parte dos solos da região
da floresta é de baixa fertilidade (86%) e, somente 14% de sua área é constituída de solos férteis (LIMA, s/d; MORAES, 2008).
Romper este equilíbrio, com a retirada da vegetação, seja com desmatamentos e/ou queimadas ou incêndios florestais é colocar em risco todo o ecossistema. O solo sem a proteção natural da vegetação ficará em exposição direta às intempéries (sol, chuvas e ventos), sofrendo principalmente lixiviação (lavagem da camada rica em nutrientes do solo) e erosão (desgaste e transporte do material inconsolidado), processos que contribuem para a sua degradação.
Há quem pense que por causa da ocorrência de uma floresta tão exuberante como a Amazônica, o seu solo é bastante fértil. Mero engano! Como foi mencionado acima, a maior parte dos solos amazônicos se caracteriza por baixa fertilidade.
Na verdade, a floresta Amazônica
é sustentada por efeito de uma constante
e eficiente ciclagem de nutrientes presentes
na matéria orgânica vegetal e animal (serrapilheira ou serapilheira) disposta
no solo, os quais são absorvidos pelas raízes das árvores que, posteriormente, liberam
os nutrientes de volta para o solo, enriquecendo-o.
A serrapilheira (serapilheira ou liteira) é a camada disposta sobre o solo formada por acúmulo de matéria orgânica morta, como folhas, galhos, frutos, flores, restos de animais etc., sob diferentes estágios de decomposição em função do trabalho das formigas, das minhocas e dos cupins, por exemplo e, também, dos microrganismos (fungos e bactérias).
Além de serem a principal via de retorno de nutrientes ao solo,
a serrapilheira tem a função de proteção ao solo, de retenção de água, de
isolante térmico e, também, de acolher sementes e mudinhas a garantir a
estabilidade do ecossistema (BALDASSIN, 2017).
Além da ruptura do equilíbrio do ecossistema consistir em um grave problema ambiental, articular atividade econômica a base de cultivo agrícola em uma grande área, por exemplo, após o sistema desmate seguido por queimada ou só queimadas, estará fadada ao fracasso. No início, as lavouras podem até produzir em razão dos nutrientes presentes nas cinzas, mas depois de alguns anos - três anos, no máximo, segundo especialistas, não se produzirá mais nada.
A temporada das queimadas no Brasil que, em geral vai de maio/junho a setembro/outubro, já está findando. Entramos na primavera desde o final do mês passado (22 de setembro), estação esta marcada por chuvas mais frequentes. Por isso, a tendência será de haver uma redução nestas atividades daqui pra frente, mas não a sua extinção, infelizmente!
Para que todos esses cenários desoladores dos biomas em foco, neste ano, fossem, ao menos, minimizados em termos de impactos e de efeitos negativos do fogo ilegal, o ideal seria aliar todos os segmentos políticos, científicos, institucionais e civis em prol de um único propósito, capaz de não prejudicar nenhuma das partes de forma isolada e, sobretudo, comprometer o meio ambiente como um todo, partindo do princípio que o seu funcionamento, enquanto sistema vivo e integrado, apresenta interdependência entre as suas respectivas partes (elementos), as quais são responsáveis por sua própria dinâmica.
Bastaria apenas o saber ouvir e tomar maior ciência dos fatos, respectivamente, com aqueles detentores de experiências e noções seculares no trato com a natureza ou por aqueles que detêm conhecimentos científicos fundamentados em estudos e levantamentos, na maioria das vezes, in locus. Isto é, considerar tanto os povos indígenas e outras populações tradicionais quanto com os pesquisadores de instituições e de Universidades públicas e/ou privadas.
Sob esta perspectiva, o segmento político, fundamentado e engajado nos diferentes sistemas de conhecimentos (saberes tradicionais e estudos científicos) deveria ser o principal responsável em assegurar e defender um modelo de desenvolvimento sustentável, sem prejuízos à conservação do meio ambiente. Mas, para isso, o atual de modelo de desenvolvimento econômico vigente em nosso país precisa ser abandonado ou, pelo menos, remodelado para este fim.
À primeira vista, esta relação entre desenvolvimento versus conservação do meio ambiente parece ser bastante contraditória, irrealizável, mas, não é! O mais difícil é a tomada de consciência e a mudança de postura em face às novas bases conceituais (novo paradigma), as quais, indubitavelmente, reforçará a sua capacidade de compreender o meio ambiente como um sistema integrado, cujos elementos são interdependentes, não podendo ser extraído do todo, do qual fazem parte e para o qual têm assumem papéis singulares em sua dinâmica.
Não sou contra o desenvolvimento, porque em todos os biomas há ocupação humanas e atividades econômicas sendo desenvolvidas, mas há de se respeitar as características funcionais e a dinâmica de cada um deles, renunciando de vez as intervenções antrópicas de caráter economicista e espoliativo sobre a natureza.
Essa forma tradicional de apropriação da natureza acentua a relação dicotômica entre o binômio, homem e natureza, imprimindo uma concepção de riqueza material infindável aos recursos naturais, instituindo e efetivando um modelo de desenvolvimento fundamentado em princípios essencialmente econômicos e na crença de que medidas de conservação e/ou preservação ambiental constituem um entrave à própria política desenvolvimentista (SILVA, no prelo).
E é justamente essa concepção equivocada que responde por muitos problemas ambientais no Brasil e tantas outros “engatilhados” em cada canto do nosso imenso território.
As políticas públicas conscientes e comprometidas com às
questões ambientais deveriam levar em consideração e tratar a todos os ecossistemas
existentes, sob a mesma ou próxima à linha de pensamento de MELLO (2015, p.
101) acerca da Amazônia:
“O futuro da Amazônia depende de um modelo de desenvolvimento em que a base de todo o progresso humano esteja fincada na exploração inteligente, seletiva e ambientalmente segura de seus inigualáveis recursos naturais (solo, subsolo, floresta, rios e lagos), assentada numa excepcional condição de geração de energia em bases limpas (fontes renováveis e não poluentes) – fator diferencial de forte atração a novos investimentos num contexto de crise ambiental‑energética mundial –, com planejamento e apoio do Estado brasileiro, dos governos locais e de seletivas parcerias internacionais. O novo paradigma que deve organizar e dirigir os novos investimentos terá de estar orientado, prioritariamente, ao aproveitamento racional e verticalizado desses ativos ambientais, compostos, basicamente, por recursos naturais renováveis, com políticas públicas comprometidas com a emergência de uma “economia verde” de base científica, tecnologias ajustadas e visão dilatada sobre as populações locais e as gerações futuras.”
. BALDASSIN, Paula. O que é serrapilheira? 2017, iGUi Ecologia
. Bioma Cerrado. Embrapa, s/d.
. FERRAZ, João B.S., BASTOS, Rodrigo P., GUIMARÃES, Giuliano P., REIS, Tatiane S. e HIGUCHI, Niro. A Floresta e o Solo. 101-121. In: A Floresta Amazônica e Suas Múltiplas Dimensões: Uma proposta de educação ambiental, Editores: Maria Inês Gasparetto e Higuchi, Niro – 2ª edição revisada e ampliada - Manaus, 2012. 424 p.
. ISLER, Juliane. A tragédia no Pantanal tem nome e sobrenome: Consumo de Carne. 2020, Green me
. MELLO, Alex Fiúza de. Dilemas e desafios do desenvolvimento sustentável da Amazônia: O caso brasileiro. Revista Crítica de CiênciasSociais, 107, 2015: 91-108
. MORAES, Denise. Bioma Amazônia. 2008. INVIVO/FIOCRUZ
. NEHER, Clarissa. O papel de gado e soja no ciclo de desmatamento. DW – Made for minds - Especial Amazônia, 2020.
. O que são os 'rios voadores' que distribuem a água da Amazônia. BBC News Brasil, 2017
. Os Rios Voadores, a Amazônia e o Clima Brasileiro (Caderno do Professor) – Projeto Expedição Rios Voadores, 2014 - Pdf
. PIVELLO, Vânia Regina. Os cerrados e o fogo. ComCiência n°105, Campinas, 2009
. PIVETTA, Marcos. Amazônia, agora, é fonte de CO2, Revista Pesquisa FAPESP - Edição n° 287, janeiro 2020
. Por que a teoria do 'boi bombeiro' no Pantanal, citada por Salles e Tereza Cristina, é mito, 2020, BBC NewsBrasil/Estado de Minas Nacional
. Portal Projeto Expedição Rios Voadores. s/d.
. SORIANO, Balbina Maria Araújo et al. Uso do fogo para o manejo da vegetação no Pantanal, Corumbá: Embrapa Pantanal, 2020 (18 p.), Pdf
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